sábado, dezembro 31, 2005

Um filme a não perder



O Fiel Jardineiro (The Constant Gardener, 2005), de Fernando Meirelles, com uma extraordinária actuação de Ralph Fiennes (mais uma!) e de Rachel Weisz, é um filme completo.

Uma fotografia de África e de algumas cidades europeias de primeiro nível, um enredo denso e de grande ‘suspense’ e um tema cruel e nobre: a exploração das pessoas de África como cobaias da grande indústria farmacêutica.

O retrato de um mundo cão, onde a corrupção, o vil poder e a brutal desumanidade se sobrepõem ao respeito pela iminente dignidade da pessoa humana, de toda a pessoa humana, incluindo a criança com SIDA de um bairro da lata de Nairobi, ou o velho doente do deserto do Sudão.

Um filme completo, porque transmite fortes sensações dentro da sala de cinema, graças à música, à fotografia, ao drama, à qualidade da realização e da articulação do enredo, sensações, emoções e pensamentos que perduram para lá daquele momento e que mobilizam o espectador para a consciência da radical desigualdade e da miserável estrutura económica mundial que este capitalismo tem desenvolvido.

E, para além do mais, é sobretudo uma magnífica história de amor.

Fernando Meirelles é um realizador brasileiro que se destacou na cinematografia mundial, tendo assinado o “terrível” filme “Cidade de Deus” que o trouxe para as luzes da ribalta.

sexta-feira, dezembro 30, 2005

2005: um ano mau

O ano que agora termina foi um ano difícil.
Até Cândido, personagem criada por Voltaire, teria que dar razão ao seu amigo Martin perante as agruras e misérias a que assistimos neste ano.

Começando pelos factores naturais, desde o “Tsunami” que arrasou tantos países no sul da Ásia, e com o qual entrámos em 2005, ao terrível terramoto no Paquistão, passando pelos incríveis tornados no sul dos Estados Unidos.
Em Portugal, apenas nos podemos queixar da seca.
Mas estas dificuldades demonstraram um grande sentido de solidariedade à escala global. A cidadania global viveu aqui mais uma prova de maturidade e fortaleceu-se. Devo dizer, porém, que me parece que se deu muito mais atenção às costas das praias asiáticas onde europeus e americanos passam as suas férias e onde morreram aos milhares, do que os vales e encostas das montanhas do Paquistão onde anónimos morreram de frio e de fome.

No plano político-militar, o Iraque continua a representar uma tragédia. Por vezes contrabalançada por actos eleitorais participados e aparentemente democráticos, mas aquele país tornou-se verdadeiramente numa “escola de terroristas” que levam a cabo as mais terríveis chacinas nas ruas de Bagdade e outras cidades, tendo chegado maiuma vez à nossa Europa, a Londres. Bush está cada vez mais isolado e apresenta pouca imaginação e capacidade de resolver verdadeiramente o problema que criou.

Entretanto, no extremo Oriente, as declarações de inimizade vão subindo de tom. Já não é só o problema do perturbador e inquietante regime autocrático e absurdo da Coreia do Norte; são as duas grandes potências, a China e o Japão, que encenam actos e manifestações de desagrado. É bom que essa escalada verbal termine. E termine já!

O projecto europeu, por tantos em todo o mundo visto como um farol de esperança, como uma organização regional de paz e amizade, de cooperação e desenvolvimento económico-social e cultural, capaz de servir de referência num mundo em desequilíbrio, esse projecto da Europa deu um grande tiro no pé. O não francês e holandês, as hesitações dos líderes (?) europeus constituem um revés no optimismo que o projecto de ratificação acalentava, e que é bem evidente no livro de Jeremy Rifkin “The European Dream”.

No plano nacional, valha a milhões de portugueses a vitória do Benfica. E valha à República o bom Governo que os portugueses exigiram em Fevereiro.
Foi um ano intenso de actividade política. Legislativas, autárquicas e agora Presidenciais, com ameaças de dois referendos pelo meio.
Um ano em que os portugueses souberam realizar as suas escolhas democráticas, em que se revelou que o sistema de partidos, com todos os vícios que possa ter e que devem ser corrigidos, desempenhou um papel importante de mobilização, de organização das correntes ideológico-sociais e de concretização do projecto democrático.

Sou um optimista e por isso devo afirmar que apesar de todas as dificuldades, o espírito humano evoluiu. Até Bush tem agora outro respeito pelas Nações Unidas. O conflito entre a Índia e o Paquistão parece um pouco mais distendido. Israel libertou, em segurança, a Faixa de Gaza. Os Balcãs continuam o processo lento de cicatrização das feridas de uma década de guerras. A Europa, apesar do passo atrás, está a ganhar balanço para dar dois à frente e reassumir o seu projecto de paz, amizade e prosperidade.

Feliz 2006!

quarta-feira, dezembro 28, 2005

A idade de Soares

De todos os quadrantes políticos, de todos os estratos sociais, mas sobretudo dos mais velhos (de espírito), o argumento da idade é atirado como uma lança venenosa e mórbida que pretende matar a discussão sem sequer a encetar.
Importante não é a idade, é a saúde e a vitalidade!

Apenas fica um dado curioso: o General Norton de Matos quando se candidatou em 1948 à Presidência da República tinha também 81 anos. (vide http://pt.wikipedia.org/wiki/Norton_de_Matos)
E se essas eleições tivessem sido justas, como teria sido diferente o rumo do país no pós-guerra…

E que interessante ver que Mário Soares era já em 1948 o Secretário Geral dos Serviços da Candidatura do General Norton de Matos. (vide http://www.fmsoares.pt/ilustra_iniciativas/2000/000109/MUD_Documentos/cronologia/cronologia48.html).

terça-feira, dezembro 27, 2005

A melhor prenda de Natal

“O que falta dizer: Pensamentos e Histórias de uma vida Política”, o último livro assinado por Mário Soares e três jovens jornalistas (Anabela Mota Ribeiro, Elsa Páscoa e Maria Jorge Costa), consiste numa longa entrevista na qual Soares explica aspectos da sua biografia, do seu pensamento e da sua acção passada, presente e futura.

É marcante o optimismo que o caracteriza. A crença no “progresso moral da humanidade” e no desenvolvimento e melhoria das condições de existência humana.

É um relato de um espírito combativo, corajoso que sempre se bateu por ideais e de concretização de projectos para Portugal: a luta anti-fascista, a estabilização de uma democracia pluralista ocidental, a determinação nos seus governos pelo superar da bancarrota, a aposta europeia, a magistratura em Belém de grande autoridade moral e a concretização de 10 anos de extraordinária estabilidade política, a que se seguiram outros 10 anos de ensino, aprendizagem e dinâmico acompanhamento dos grandes movimentos sociais do mundo: de Porto Alegre a Davos, do Parlamento Europeu ao Diálogo Ecuménico.

Apresenta-se agora como um homem ainda melhor preparado, com uma cultura imensa, uma voz respeitada, que consegue intuir à distância os grandes rumos da história.

Fica sobretudo o exemplo: os homens não são estátuas vivas. Se entendem que ainda podem ser úteis ao seu país, pelo pensamento estratégico que têm, pela capacidade de diálogo e mobilização nacional que apresentam e pelo brilhantismo da sua actividade política, então devem ir com humildade falar ao povo, pedir o seu voto, tentar ganhar umas eleições muito difíceis.

Fica este exemplo: de um homem que de pai da Pátria passa a grande perturbador nacional, de figura consensual passa – num passe de mágica – a objecto de repúdio e desprezo, pelas razões mais mesquinhas.
Um homem que sairá deste combate – independentemente do resultado, que confio será de vitória – mais sabedor, mais enriquecido humanamente, com a sua insaciável curiosidade ainda mais desperta!

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Portugal pós 25 de Abril: IIª ou IIIª República?

A História é uma ciência que carece de distanciamento crítico para que os seus conceitos, a linguagem e os seus resultados sejam mais precisos e uniformes. Por isso, escrever sobre a História recente pode ser sempre fonte de equívocos, imparcialidades e preconceitos.
Vem isto a propósito do problema de saber se vivemos na II.ª ou na III.ª República. Não querendo impor uma visão unanimista sobre tão complexo problema historiográfico, sempre direi que me parece adequado afirmar que vivemos na II.ª República, que se seguiu à I.ª República (1910-1926) e ao Estado Novo.

A não consideração do Estado Novo (corporativista-fascista) como uma II.ª República, mas sim como um interregno político-jurídico nos ideais republicanos e na realização e organização republicana do Estado, tem por base o facto de o seu ideário estar em grande medida em oposição com os princípios fundamentais do Republicanismo em Portugal.

Como se afirma em http://www.uc.pt/cd25a/ospp_po/ospp05.html, “Sem rejeitar teoricamente a forma republicana de governo, a nova Constituição de 1933 e as revisões de que foi objecto consagrava um Estado forte, recusando o demo-liberalismo; o nacionalismo corporativo, o intervencionismo económico-social e o imperialismo colonial constituiram as linhas mestras de um sistema de governo que, sobretudo a partir da Guerra Civil de Espanha, se caracterizou pela censura férrea das opiniões discordantes e pela repressão dos seus opositores. A pedra base de aplicação de tais métodos é constituída pela polícia política salazarista a PIDE.”

Assim, podemos considerar que na essência mesma do republicanismo português está a consagração de um sistema democrático-parlamentar, a laicização do Estado e a salvaguarda e protecção dos direitos, liberdades e garantias. Ora tudo isto é estranho ao período de 1926 (1933) -1974, pelo que muitos entendem que não se deve falar aqui de uma segunda República.

Por outro lado, reservar a expressão II.ª República para o regime consolidado com a Constituição de 1976 permite lançar linhas de continuidade com o Estado português de 1910-1926, como sejam, a separação entre Estado e Igreja, o regime de democracia de partidos, a protecção dos direitos fundamentais. Nesse sentido, se pode ler por exemplo a Constituição da República Portuguesa Anotada (3.ª edição), de Gomes Canotilho e Vital Moreira, por exemplo, nas pp. 16-17.

Repito que esta é uma questão de História de difícil resposta; apenas pretendo dar uma explicação para o facto de eu, seguindo tantos e tantos outros, afirmar que vivemos na II.ª República.

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Mário Soares: jovem, dinâmico, tolerante

Republicano, laico e socialista, Mário Soares moldou em termos decisivos a nossa II.ª República fazendo do respeito pelos que têm opinião contrária o seu mote fundamental. A questão monárquica nem se esboçou, as relações entre o Estado e a Igreja são pacíficas e de cooperação, todos os Partidos, nomeadamente os de Direita, foram sempre respeitados e tratados com isenção por este grande político.
Voto Soares pelo futuro que ele nos propõe: um Estado Social moderno, uma sociedade dinâmica e plural, uma Presidência que dê atenção a todos, sobretudo às minorias, àqueles que não têm voz, aos mais desfavorecidos.
A estabilidade política é uma condição fundamental para vencermos crise orçamental, económica e moral. Portugal pode acreditar! Soares estará sempre presente e será um factor de união entre todos os portugueses.

terça-feira, dezembro 20, 2005

O leão mostra a sua raça ou o lobo começa a despir a pele de cordeiro?

Os portugueses que queiram analisar o debate com atenção, deverão ter reparado que Cavaco tropeçou. Cavaco balbuciou e mostrou-se surpreendido com a possibilidade de um Governo não querer a sua ajuda para “levar a cabo a modernização do país, que só se consegue com o aumento da competitividade das empresas….” (e a cassete continua como já sabem).

Soares numa palavra desmascarou todo o discurso de Cavaco Silva: demagogia.
O político intermitente acena aos portugueses com as bandeiras do costume: emprego, pensões, crescimento, justiça social. Mas quem pode contestar isso?! São banalidades.

O problema é que em Fevereiro os portugueses já disseram que é Sócrates quem tem essa função. Não podemos ter um Governo bicéfalo!

Soares revelou que tem energia física e mental para enfrentar 5 anos de grandes dificuldades. Não podemos desperdiçar esta nova oportunidade dos fundos comunitários de 2007-2013 em guerrilhas institucionais ou com problemas de protagonismo político.

Soares sabe exercer o poder moderador. Já o provou no passado e agora está ainda melhor preparado.

segunda-feira, dezembro 19, 2005

Blair: um líder trabalhista?

À esquerda e à direita, muitos se inquietam com a pessoa política de Tony Blair.
Considerado por muitos como um claro exemplo das políticas de direita, não deixa de ser impressionante que este homem tenha ganho – facto inédito! – três eleições parlamentares como líder do Partido Trabalhista britânico.

O que faz dele um homem de esquerda, afinal?

Vejamos, a traço muito grosso, algumas das medidas mais emblemáticas da sua governação desde 1997:

No plano constitucional:
A aprovação do “Human Rights Act” que confere eficácia no direito interno ao catálogo de direitos fundamentais previstos na Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
A devolução do Poder à Escócia e a Gales, pondo fim ao Estado mais centralista da Europa;
A criação de uma “plataforma de paz” na Irlanda do Norte;
O afastamento de lugares hereditários da “segunda câmara” (House of Lords);
O reforço do poder local.

No plano social:
Um extraordinário investimento na Educação e na Saúde, repondo a dignidade e o prestígio do “National Health Service” (Serviço Nacional de Saúde) e recolocando as Universidades inglesas na linha da frente a nível mundial;
A luta contra as fortes clivagens sociais, a pobreza e o desemprego.

No plano das “questões fracturantes”:
Aprovação de legislação ‘progressista’ em matéria de investigação científica, nomeadamente com respeito aos embriões humanos.
Aprovação de legislação ‘liberal’ em matéria de relações homossexuais.
Reforço das políticas de integração, de protecção dos imigrantes e das classes mais desfavorecidas.

Se no plano internacional, a sua actuação estará sempre manchada pelo embuste do Iraque, é de elementar justiça que se recorde o seu papel no fim do genocídio do Kosovo, na guerra do Afeganistão, na aprovação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, do Protocolo de Kyoto e de uma postura de (tímida) coragem no seu europeísmo.

A História fará o balanço global da actuação deste homem à frente de Downing Street.

Mas, faça-se justiça: muita da sua actuação identifica-se plenamente com os valores e as propostas da esquerda:
luta contra a pobreza e a exclusão,
coesão social,
promoção dos direitos fundamentais,
descentralização política e administrativa,
políticas de emprego,
aposta clara nas políticas sociais (educação e saúde),
uma postura ‘liberal’ (não dogmática) em “questões de sociedade” (bioética e as novas estruturas familiares),
criação de estruturas de regulação das relações internacionais com base no Direito (porém, com a nódoa inolvidável da ocupação do Iraque).

domingo, dezembro 18, 2005

O Presidente e a Estabilidade Política

Nos últimos 30 anos tivemos 3 Presidentes da República: Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio.
Com Eanes a instabilidade política foi a regra. Sampaio, muito por causa de Guterres e de Barroso, também não conseguiu manter a continuidade das políticas, nem contribuir para a criação de governos fortes.
Com Soares, tivemos uma Presidência (86-96) de grande estabilidade. E se a popularidade de Cavaco facilitou esse facto, ninguém pode esquecer que foi Soares quem lhe abriu as portas a uma maioria absoluta ao dissolver – contra a vontade do Partido Socialista, do PRD e do PCP – a Assembleia da República em 1987. São gestos que demonstram a nobreza com que Soares sabe exercer poderes presidenciais: não para servir os interesses imediatos do seu Partido, mas sim para servir o país. E a estabilidade governativa é um factor fundamental.
A Espanha em 30 anos teve 5 Presidentes do Governo: Suárez de 1976 a 1981, Calvo Sotelo de Março de 1981 a Outubro de 1982, Felipe González de 1982 a 1996, Aznar de 1996 a 2004 e Zapatero desde 2004. Muitos dizem que este é um dos segredos do sucesso de Espanha. Oxalá, o próximo Presidente da República procure manter a estabilidade política. Na minha opinião, apenas Mário Soares tem essa virtude de ser um homem moderado e isento que não confunde as funções de Presidente com as de um executivo, e que é capaz de estabelecer pontes com as diversas forças sociais.

Europa: temos Orçamento! Que venha... uma Constituição.

Blair teve um último sopro de imaginação. Jogou a sua última cartada – quiçá bem guardada no seu exímio bluff britânico – às 3 da manhã.
O Reino Unido surge assim como um “doador” de fundos para o alargamento. Prescindindo de uma pequena parte do seu famoso “cheque” em favor do desenvolvimento dos países da Europa de Leste.

Ainda bem que temos orçamento. Parabéns a Blair, malgré tout. Parabéns aos demais chefes de Estado e de Governo, muito especialmente aos nossos representantes.
José Sócrates e Freitas do Amaral podem apresentar, sem dúvida, um excelente resultado para Portugal. E fazem-no com naturalidade, sem alaridos, sem vedetismos. Obrigado pelo vosso trabalho e persuasão! Foi um sucesso!

No plano global, um europeísta não pode estar muito satisfeito.
Uma Europa com cerca de 450 milhões de habitantes, com 10 países novos e pobres, com a Roménia e a Bulgária à porta e crescentes exigências e demandas nos Balcãs e no Mediterrâneo, deveria ir muito além.

Faça-se a justiça de conceder que o presidente da Comissão, José Manuel Barroso, bem afirmou que o orçamento deveria ter uma outra dimensão. Assistimos em directo na BBC ao apelo que ele fez ao próprio povo inglês no sentido da sua compreensão para uma outra postura do seu país.
Foi derrotado. Após as derrotas do referendo à Constituição, perdeu mais uma vez. Mas foi derrotado com grande dignidade. Registo a coragem do Presidente da Comissão Europeia nesta situação.

Um dos pesadelos de 2005, o orçamento, está assim praticamente ultrapassado.

2006 deveria ser um ano de grandes avanços no outro pilar: o político e jurídico. Para tanto, deveríamos retomar o projecto de aprovação de uma Constituição para a Europa. Deixo uma sugestão: tal como este orçamento, mais pequeno que o desejável, mas suficientemente equilibrado para satisfazer as diferentes sensibilidades dos povos europeus, assim poderia ser uma versão revista da Constituição para a Europa. Por outro lado, que o referendo seja no mesmo dia em todos os países!
Quanto a Tony Blair, este pode agora abandonar o seu bom magistério à frente do governo. O governo trabalhista mais longo do Reino Unido. Um Governo que deixou o seu país na linha da frente em vários planos internacionais.

Um alargamento amargo

Com o alargamento, de Maio de 2004, a 10 novos Estados membros, 8 da Europa Central e de Leste (Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, República Checa, Eslováquia, Hungria, Eslovénia) e 2 do Mediterrâneo (Chipre e Malta), parecia que se consolidava um sonho antigo: o Continente europeu voltava a reencontrar-se e com espírito de progresso e solidariedade.

Estes últimos 18 meses, porém, têm sido bastante amargos para os países recém-chegados a esta União.

Primeiro Chirac avisou-os de que não poderiam ter opiniões divergentes do eixo Paris-Berlim em matéria de política externa (a propósito da desastrada carta encabeçada pelo nosso ex-Primeiro Ministro Barroso).
Depois foi Schröder que os ameaçou caso não mudassem a sua política fiscal.
Finalmente as difíceis negociações do orçamento para 2007-2013 no Luxemburgo a culminarem com as propostas humilhantes de Tony Blair.
Acabo de ouvir que o Primeiro-Ministro britânico dá um pequeno passo (quiçá um mero jogo de bluff) ao libertar mais dinheiro do cheque britânico.
Talvez, dentro de horas, todos brindem e anunciem aos seus povos a boa nova de um “orçamento bom para todos”. Oxalá!

Mas esta não foi a Europa pela qual aqueles povos lutaram. Esta não é a Europa da igualdade entre os Estados, da solidariedade e da coesão.
Alguns colegas daqueles países têm-me confessado que frequentemente pressentem de Bruxelas a atitude que experimentaram durante mais de quarenta anos de Moscovo.

segunda-feira, dezembro 05, 2005

Angola: 30 anos de independência

Tive a honra de moderar dois debates organizados pela Casa de Angola no âmbito das comemorações dos 30 anos de independência de Angola. Esse grande e rico país que, nas sábias palavras do Prof. Doutor Eduardo Vera Cruz, alcançou um Estado há 30 anos e está agora a construir uma nação. Nação essa que se vem edificano com base em alguns elementos, dos quais se destaca a língua portuguesa.
Efectivamente, tratou-se uma opção política das elites africanas do pós-independência com vista a garantir a integridade, unidade e independência do Estado angolano a partir da imposição de uma língua comum: o português. Uma língua nacional que fosse factor de integração de etnias, tribos, culturas e tradições diferentes dos vários povos de Angola.
O mesmo se passou noutras ex-colónias portuguesas e agora acontece em Timor-Leste.
O que não deixa de ser uma ironia da História. A língua e a cultura portuguesas têm vindo a ser melhor afirmadas no “mundo lusófono” nestas 3 décadas posteriores ao fim do Império do que em 500 anos do mesmo. Atentem apenas neste dado: em 1974 apenas cerca de 20% da população negra falava o português em Angola; hoje são já mais de 80%!

Temos pois que agradecer aos nossos “povos-irmãos” pelo carinho e apoio que vêm prestando ao nosso idioma. E que pena é que esse idioma, ao menos na sua vertente escrita (o que seria o único elemento possível de unificar), não seja realmente comum aos dois lados do Atlântico! Tenho-me batido sempre pela uniformização da língua portuguesa escrita, em que naturalmente o irmão mais velho teria que fazer mais concessões ao seu irmão mais jovem, mais irreverente e tropical… Infelizmente poucos compreendem a importância estratégica de tal facto.

Mas voltemos aos debates sobre Angola, esse país que cresce a 27,6% ao ano, que é palco de forte competição comercial entre várias potências mundiais, estando a China a afirmar-se de forma marcante. É uma terra de muitas oportunidades e que está a atrair o investimento estrangeiro.
Os empresários portugueses têm a seu favor sobretudo dois factores: a língua portuguesa, a cultura jurídica (lembremo-nos que o Código Civil português, bem como outra legislação, é ainda em grande medida vigente em Angola) e o sistema bancário que é largamente estruturado por Bancos portugueses.

Angola, com o seu imenso território e extraordinárias riquezas naturais, poderá ser um “novo Brasil” do século XXI: uma terra de inclusão de vários povos e nacionalidades, de crescimento económico e de prosperidade.
Sei que há um longo caminho a percorrer. Fica uma nota de optimismo. Cada um, cada sector da sociedade portuguesa deve dar o seu contributo: seja no ensino (onde a Faculdade de Direito de Coimbra tem prestado uma colaboração importante), seja na indústria, na agricultura ou nos serviços – Angola deve ser visto como um aliado estratégico preferencial.

segunda-feira, novembro 28, 2005

Kosovo

Kosovo: 2 palavras

Terá sido em tempos uma terra de paz e harmonia entre povos. Há pouco devastada por uma guerra impiedosa, um dos genocídios do século XX pelo qual Milosevic está a ser julgado em Haia.
Controlado e organizado desde há cerca de 6 anos pelas Nações Unidas, o povo kosovar procura agora os caminhos da independência e do desenvolvimento. Com mais de 90% de etnia albanesa e de religião muçulmana, o seu Parlamento pronunciou-se claramente pela opção de um Estado soberano.
Fica apenas o testemunho de um povo orgulhoso, com pessoas com vontade de construir um futuro melhor, que sonha com a Europa, a que se habituou depois de tantos anos a usar o Euro.
Boa sorte a Martti Ahtisaari, mediador internacional das negociações em curso. Boa sorte, povo Kosovar. Do destino destes mais de 2 milhões de pessoas, depende a sorte dos Balcãs e da paz e prosperidade na Europa.

André Pereira

domingo, junho 19, 2005

Tony Blair: O Novo Líder Europeu

Tony Blair: O Novo Líder Europeu

Quem se lembra dos anos 80 e 90 com uma tripla forte e progressista Miterrand-Köhl-Dellors, só pode sorrir ao lembrar-se do que já cheira a passado: a dupla Schröder-Chirac. Honra seja feira a Schröder que com Blair e Prodi conseguiram o alargamento à Europa central. Uma justiça histórica e um passo de gigante para um Continente mais harmonioso.

Estas últimas semanas vieram mostrar que a França desapareceu do palco político europeu e mundial: é um jogador ao nível de uma Itália ou de uma Espanha. Não mais.

Chirac perdeu em casa para a xenofobia, o medo e o folclore – palavras que já aqui usei e que sempre repetirei. Agora perdeu em Bruxelas por ir defender exactamente o mesmo folclore, o mesmo medo e a mesma xenofobia.

O folclore de uma PAC de proprietários ricos, de consumidores usurpados e de um orçamento medieval. Quem imagina que um Estado moderno gaste 40% na Agricultura!!! Porque há-de ser diferente na UE?!

O medo do mercado global, da China, da Índia, dos outros tigres asiáticos e do Brasil onde dezenas de milhões de pessoas foram tiradas da miséria nos últimos 10 anos e onde centenas de milhões de seres humanos são educados e têm vontade de construir uma sociedade mais desenvolvida e de deixar uma herança melhor aos seus filhos. Ou ainda não sabem que a Índia “produz” mais engenheiros que os Estados Unidos?!

Xenofobia porque no fundo parece estar implícito nas mentes de muitos que a Europa ‑ a pequena Europa, a dos 15, onde Portugal e a Grécia entram porque têm uma História respeitável e até veneram a cruz do Senhor – tem o direito natural a ser rica, a dominar política, económica e culturalmente o mundo. Pois se é assim desde Vasco da Gama e Cristóvão Colombo!? Sim, mas a História é essa espiral com asas de vento, que voa rápido e muda de direcções…

Tony Blair compreendeu a nova ordem mundial e está a desenhá-la de feição aos interesses da hegemonia cultural anglo-saxónica. É um bom Primeiro-Ministro do Reino Unido. Resta saber se será um bom líder da Europa.

Os derrotados de Bruxelas tentaram denegrir a sua imagem. Mas a imprensa mais atenta compreendeu que mais vale um não-acordo que um mau acordo.

O próprio “Le Monde” explica aos seus leitores franceses que Chirac anda a vender o impossível: uma PAC obsoleta. Um não-investimento na Nova Economia; numa palavra um não cumprimento da Estratégia de Lisboa, que a Presidência Portuguesa de Guterees tão bem preparou! Mais a mais, o próprio “Le Monde”, com algum cinismo e humor explica a quem votou Não no referendo de Maio: “Le seul plan B qui existe n’est pas celui qu’annonçaient les défenseurs du non de gauche. C’est bien de plan Blair” – que apelida de “social-libéral”.

Blair tem agora uma responsabilidade histórica. Depois de ter conseguido o perdão da dívida dos países mais pobres do mundo, será um líder europeu – da Europa da solidariedade, do desenvolvimento sustentado, da cooperação com os outros povo – se conseguir impor regras de justiça no comércio agrícola. Essa guerra terá que a travar com os franceses, mas também com os seus amigos americanos.

Por outro lado, terá a possibilidade de conseguir um orçamento típico do século XXI. Em que o público apoia as Universidades, a Investigação, a Ciência e Tecnologia. Em que a UE cumpra a “Agenda de Lisboa”! Que mantenha a UE como um espaço de desenvolvimento e de cultura, um pólo mundial de progresso humano.

O Estado social europeu não pode viver no proteccionismo nem no imobilismo. O socialismo democrático exige uma visão progressista, com optimismo global, para enfrentar as questões do ambiente, do são convívio entre os povos e culturas, da imigração e da cultura.

Isso passa por uma Europa alargada, que abra um horizonte de esperança à Turquia e à Ucrânia! E por uma Europa de coesão regional, de coesão social, com Estados que prestem serviços públicos eficientes e por uma Europa mais democrática, em que o princípio da subsidiariedade seja respeitado. Esse princípio que é um dos pilares, a par com a Carta dos Direitos Fundamentais da Constituição Europeia.

Blair tem agora os dados na mão.

André Pereira

quarta-feira, junho 15, 2005

O verniz começa a estalar: crise no Clube dos Ricos

O verniz começa a estalar: crise no Clube dos Ricos

Duas vitórias da xenofobia, do medo e do folclore em dois dos países mais ricos do mundo e o verniz começa a estalar.
Vejam esta notícia do Público:
Blair fala de "desacordo profundo" com Chirac sobre orçamento europeu
http://www.publico.clix.pt/shownews.asp?id=1225825&idCanal=11

Destaco esta frase:
“Chirac reclama uma revisão do desconto no orçamento da UE de que o Reino Unido beneficia, tendo Blair contra-atacado com a exigência de revisão da Política Agrícola Comum, recusada por França.”

Pois é: o Reino Unido goza do privilégio do “cheque-reembolso”, a França goza de uma PAC que enche os seus proprietários de subvenções, e depois fala em defesa de África e do Terceiro Mundo contra o imperialismo americano!

Meus senhores: duas ideias:
1. Os “países da coesão” (entre os quais Portugal) não são os que mais lucram deste orçamento comunitário, ao contrário do que a propaganda dos nossos amigos ricos repetidamente propaga.
2. Fim (gradual) desta PAC! Em nome dos interesses dos consumidores europeus e dos produtores e trabalhadores sul-americanos e africanos!

N.B: Só com uma Europa com instituições mais fortes e mais democráticas se pode mudar as políticas na Europa e no Mundo. A Constituição Europeia em debate é o passo certo para um mundo melhor!

André Pereira

Álvaro Cunhal

Álvaro Cunhal

Álvaro Cunhal era um homem de inteligência e cultura. Um artista dotado. Um político tenaz e persistente. Liderou o único movimento organizado de luta contra o fascismo em Portugal durante décadas. Preso, torturado, exilado, regressou à sua Pátria após a revolução dos cravos. Adoptou a estratégia de Lenine: após a revolução burguesa, seguir-se-ia o "putsch" da vanguarda, da "ditadura do proletariado", para libertar os oprimidos e implantar uma "verdadeira democracia". Felizmente falhou! Graças a Mário Soares, aos nossos amigos europeus e americanos e a grande parte das Forças Armadas! Felizmente falhou o projecto político de Álvaro Cunhal. Honra lhe seja feita: desde 1976 tem jogado as regras da democracia liberal, lutando pela protecção dos direitos dos trabalhadores e adoptando frequentemente posições progressistas.
Respeitemos a memória de um homem que marca o século XX em Portugal. Ele é o símbolo da resistência contra o fascismo e da utopia soviética não concretizada.
Foi um homem do seu tempo, mas isso não justifica a teimosia, a persistência no erro de julgamento político e ideológico: aquilo a que tantos – sobretudo à Direita! – apelidam de “coerência”.
A “coerência” não é um valor que deva ser enaltecido quando ela revela um persistente erro: Fidel Castro é coerente; Pinochet é coerente; mesmo Hitler e Stalin foram coerentes: isso não faz deles políticos ou líderes admiráveis. Antes pelo contrário…

André Pereira

quarta-feira, junho 08, 2005

Integração de Minorias Étnicas

Integração de Minorias Étnicas

As pessoas que pertencem a Minorias étnicas podem ser nacionais, não nacionais mas residentes ou mesmo não documentados. Cada um destes sub-grupos apresenta problemas específicos.
Os não-documentados, desde logo, por estarem em situação ilegal, estão privados de direitos básicos de cidadania, como o de exigir os cumprimentos de contratos de trabalho que realizem com entidades patronais sem escrúpulos, ou de acesso ao sistema de saúde (salvo para as crianças) e de segurança social. A precariedade da sua situação é de tal forma grave que leva ao desenvolvimento de máfias internacionais de tráfico de pessoas, homens e mulheres, nomeadamente para a prostituição. Uma sociedade que se dê ao respeito não pode cruzar os braços ou olhar para o lado perante uma afronta hedionda como esta.

Aos residentes são ainda negados direitos políticos fundamentais. Á excepção dos cidadãos comunitários para as eleições autárquicas e europeias, as largas comunidades de cidadãos residentes, trabalhadores que contribuem decisivamente para a riqueza nacional, não têm uma palavra a dizer sobre a condução dos destinos do país que adoptaram para viver. É preciso rever esta situação e abrir as portas das associações, dos partidos, dos órgãos autárquicos e do Parlamento a estes concidadãos.
Outra linha de reforma que se impõe, prende-se com a Lei da Nacionalidade. O ius solium deve ganhar primazia face ao ius sanguinius. Sem entrar no detalhe, apenas gostaria de dar a minha concordância à tese segundo a qual quem reside num país e quem nasce num país deve, em regra, adquirir a nacionalidade desse mesmo país. É uma forma de integrar esses cidadãos, de lhes oferecer a plenitude dos direitos fundamentais e consequentemente de os responsabilizar pelo cumprimento dos sues deveres de cidadania.

Finalmente, entre os nacionais encontramos também muitos excluídos por razões étnicas ou culturais. Um exemplo claro é o da comunidade dos “ciganos”. Cidadãos portugueses desde a Constituição de 1822, permanecem contudo isolados e são frequentemente discriminados.
Dizem os especialistas que se deveria por fim ao conceito de “minorias”. A labelização, o rótulo, implica sempre uma discriminação implícita. Por outro lado, o simples apoio social no plano do rendimento garantido não é suficiente. Os cidadãos portugueses ou residentes em Portugal devem gozar de igualdade de direitos e de deveres. Assim, todos – por igual – temos o dever de participar na vida escolar, na educação das crianças ser produtivos em termos culturais e económicos para a sociedade que nos acolhe. Em termos práticos, quero com isto significar que dou o meu apoio àqueles que defendem que as crianças, sejam de que origem forem, devem frequentar a Escola e caso não o façam o Estado, através dos seus órgãos adequados, deve intervir. A idade mínima do casamento deve ser de 16 anos, etc. Isto não significa menosprezo ou desrespeito por culturas minoritárias: a expressão cultural genuína desses grupos (dança, música, rituais sociais) é uma riqueza deles próprios e do país pelo que deve ser apoiada e respeitada. Da mesma forma, a vida nómada que alguns ainda levam deve ser respeitada e podem ser criadas condições legais para o exercício da profissão e do comércio em diversas localidades por parte destes concidadãos. Não me resigno a ver mais de 40.000 compatriotas fora do “sistema”, por vezes tendo que fazer vida através de actividades ilegais.

André Pereira
(apontamentos de uma intervenção no debate “A Voz das Minorias Étnicas em Portugal”, dia 24 de Maio de 2005)

Bolonha – O Futuro da Universidade de Coimbra

Bolonha – O Futuro da Universidade de Coimbra

O projecto de futuro da Universidade de Coimbra passa pela Europa. Os Professores devem estar presentes, em termos científicos e de ensino, nos fora europeus. Os Estudantes devem estar preparados para enfrentar as oportunidades de trabalho e de formação académica no Continente europeu. Os funcionários precisam de ter competências que os permitam auxiliar na angariação de fundos e estabelecer contactos internacionais.

Desta forma proponho algumas ideias a esta Assembleia da Universidade.

Os Estudantes devem apostar na circulação no espaço europeu de ensino superior. Para tanto devem exigir à Universidade que lhes seja ministrado o ensino de línguas, paralelamente à sua formação académica. O reconhecimento de diplomas ECTS é uma prioridade, com vista a fomentar a realização de cursos de verão, a frequência de cursos intensivos e o acesso ao programa ERASMUS noutros países.
Porque acredito na igualdade de oportunidades, penso que a União Europeia e a Universidade de Coimbra, na medida das suas possibilidades, devem apoiar os Estudantes sem recursos económicos e com mérito que concorram a estes programas de forma mais intensa.
Por outro lado, o “Suplemento ao Diploma”, no qual seja reconhecido pela Instituição o papel formador das actividades associativas, desportivas, culturais e, porventura, profissionais, é outra grande aposta, e deve ser reivindicada pelos estudantes.

No que respeita ao 1.º e 2.º ciclo, penso que devemos estar vigilantes e exigir do governo central que mantenha intocado o nível do apoio estadual ao ensino superior nos dois ciclos. A proposta que vi ser apresentada pelo Ministro Mariano Gago, no sentido de o Estado apoiar o curso de Medicina e Arquitectura, ou mesmo os cursos em que o 2.º ciclo (“Mestrado”) seja condição de exercício da profissão (como o Direito), de forma semelhante ao que acontece no 1.º ciclo, mas deixar a definição do valor das propinas dos outros mestrados a cargo das Universidades, é perniciosa. Pode ter a consequência de um curso de Medicina ser mais barato que um curso de Economia ou de História! O que seria estranho… Por outro lado, poderia ser motivo para desconfiar que esta harmonização exigida Pela Declaração de Bolonha tem em vista aumentar os encargos das famílias no ensino superior, diminuindo a contribuição do Estado.

No que diz respeito ao curso de Direito, e querendo partilhar alguma experiência trazida de contactos internacionais e das Universidades onde tenho tido o privilégio de ensinar (na Áustria, na Estónia e na Inglaterra), a Declaração de Bolonha tem vindo a ser implementada. Com alguma mudança no projecto pedagógico, com a semestralização do curso e a adopção de um sistema de créditos (ECTS). Por outro lado, para o acesso a profissões forenses (Advocacia, Magistratura) é necessária a conclusão do segundo ciclo (“Mestrado”), o que corresponde, em regra, a 10 semestres. Em Portugal não deveremos chegar a resultados diferentes. O 1.º ciclo, o diploma de “licenciado”, pode ser suficiente para outras profissões, como Solicitador, Funcionário Judicial ou apenas um ponto de partida para quem, querendo fazer uma carreira ligada às empresas ou à Banca, procure posteriormente uma especialização em Economia ou Gestão ou em Tradução jurídica ou em Relações Internacionais. Assim sendo, as cadeiras de Direito Processual, Registral, de Metodologia e de Conflitos de leis, sendo especialidades forenses, devem ser transferidas para o segundo ciclo, o qual também deve ter uma orientação mais prática.
Uma grande Faculdade de Direito, como a de Coimbra, pode oferecer múltiplos “Mestrados” na área económica, internacional, comunitária, entre muitas outras ou vocacionados para quem pretende iniciar a carreira académica.
Importante é que ao mesmo número de anos de formação e ao mesmo nível de conhecimentos seja reconhecido a um português um nível igual, ou melhor equiparável, a um colega espanhol, inglês ou sueco! É isso que se pretende com a Declaração de Bolonha.

Relativamente aos Professores, gostaria de deixar algumas propostas. É necessário continuar a apoiar e incrementar a mobilidade de docentes, quer a nível financeiro – recorrendo a programas comunitários – quer a nível de facilitação dessa mesma mobilidade por parte dos órgãos dirigentes.
Outro aspecto decisivo é o apoio à divulgação da cultura científica portuguesa. Nesse sentido, proponho a criação de um Gabinete de Tradução na Universidade de Coimbra. Um Professor Universitário não tem a obrigação de dominar, na perfeição, uma língua estrangeira, mesmo o inglês, nem deve ser obrigado a suportar os encargos de uma revisão ou tradução para poder participar numa publicação internacional.
Por outro lado, a Universidade deveria reger-se por critérios de produtividade e dedicação à carreira. Assim, à semelhança do que acontece pelo menos em Espanha e na Áustria, as publicações, o empenho e as aulas que o docente realiza deveriam ter reflexos não apenas científicos, mas também no ordenado.

Por fim, uma palavra de esperança quanto a este processo, no que se refere à Faculdade de Direito em particular.
A Faculdade conta hoje com um número menor de alunos (2.000, para 3.000 há 10 anos) e com tendência a diminuir. Por outro lado, tem muito mais Professores doutorados, com uma preparação superior e uma dedicação mais intensa às actividades lectivas e científicas. Só precisamos de vontade de mudança e … de mais salas de aula. Mas quanto a estas, basta aproveitar a generosidade dos vizinhos da Física e da Matemática e ocupar alguns corredores desses grandes edifícios. Espaço não faltará para ministrar um ensino mais moderno e mais próximo do aluno!

André Pereira

(apontamentos da intervenção na Assembleia da Universidade, no dia 18 de Maio de 2005)

quarta-feira, maio 18, 2005

A hora de Vítor Constâncio!

A hora de Vítor Constâncio!

Ao ver o Governador do Banco de Portugal sair de Belém, pensei se não estará o ex-Secretário-Geral do Partido Socialista – em tempos afastado por Sampaio! – a caminho de exercer o lugar primeiro da hierarquia do Estado na nossa querida República Portuguesa!

Constâncio teve um trajecto impecável enquanto ex-Secretário-Geral. Ocupando posições chave termos da sua trajectória profissional, aparece hoje como um homem altamente respeitado, senhor de um perfil de imparcialidade e independência face aos partidos políticos e às correntes de opinião na sociedade portuguesa.

Homem de cultura e princípios humanistas, homem para quem a ideia-chave serão sempre os cidadãos, as portuguesas e os portugueses, e não uma abstracta ideia de competitividade, ao estilo neo-liberal, que tem trazido regressão a todos os níveis ao nosso país.

Constâncio pode bem ser a “surpresa” da esquerda de que Sócrates falou.

Em Janeiro de 2006, após umas autárquicas equilibradas, em que nem o PS esmaga nem será esmagado; com o país em convulsão social causada por um PCP ávido de protagonismo, após a perda inelutável de mais algumas Câmaras e de mais alguns votos; com uma direita mesquinha sonhando com um Cavaco Presidente, passaporte para uma absurda dissolução da Assembleia; - em Janeiro de 2006 – dizia eu – os Portugueses vão querer reforçar a maioria absoluta que deram a Sócrates e vão querer dizer bem alto: queremos em Belém quem soube ao longo da sua vida servir o país e o seu partido, sem espalhafatos, sem inimizades internas e externas, com credibilidade internacional e que dê ao Governo socialista todas as garantias de colaboração vigilante e participada. Esse homem é Vítor Constâncio!

Mas atenção! Como ontem bem avisava Mário Soares, o diálogo à esquerda é urgente, porque depois das autárquicas, a contar com uma 2.ª volta nas Presidenciais… pode ser tarde demais… Cavaco pode ganhar na primeira volta! Esse é o risco da esquerda e para o país. E um risco para quem acredita nos valores progressistas e republicanos da esquerda democrática!


P.S: O que aqui vai dito em nada, mesmo nada, desmerece a hipótese da candidatura de Manuel Alegre, camarada que entusiasticamente apoiei em Agosto passado. Trata-se apenas de fazer uma leitura da realidade de acordo com o perfil do forte pseudo-adversário da Direita, com o momento político e a crise orçamental que se vive e com o facto de a Direcção do PS, democrática e legitimamente eleita, ter um palavra decisiva na escolha do candidato da esquerda. E não tenho a certeza de que queiram apoiar quem esteve contra eles em 2004….

André Pereira

sexta-feira, maio 13, 2005

Bolonha, ECTS, Suplemento ao Diploma: palavras-chave para uma reforma do Ensino Superior

Bolonha, ECTS, Suplemento ao Diploma: palavras-chave para uma reforma do Ensino Superior

O governo “dos pequenos passos” vai fazendo o seu caminho. Agora o Ensino Superior; área em que a reforma e o debate têm estado inquinados desde há cerca de 15 anos pela questão das propinas e onde convivem, lado a lado, a inovação, a excelência e a competitividade, com a sonolência, a permissividade e um certo fascismo social típicos de uma sociedade em transição.

Uma Europa com voz no Mundo, portadora de um sentido e apostada em continuar a ser vista como referência no plano internacional, carece de uma Academia plural, dinâmica, e multilingue.

Bolonha – símbolo da gloriosa tradição universitária europeia – é agora uma oportunidade para rever conceitos, metodologias e estratégias de ensino.

A pergunta a colocar a um Professor não deverá mais ser: “Qual o programa da cadeira?”, mas sim “como vão os seus alunos alcançar essas competências?”. Aos alunos não bastará mais dizer “Fiz a cadeira!”; é necessário que interiorizem que “Aquela cadeira permitir-me-á aprender a resolver aqueles problemas, adquiri mais alguma diferenciação e outras capacidades”.

Os Estudantes podem finalmente ver reconhecido o direito à livre circulação de pessoas no espaço europeu do ensino universitário, realizando cursos de verão num país, semestres noutro, 1.º ciclo no Norte, 2.º ciclo no Sul. Assim se faz Europa! Os Estudantes devem ainda exigir a aplicação do “Suplemento ao Diploma”, em que sejam devidamente reconhecidas as actividades extra-curriculares e profissionais que exerçam.

Os Professores devem continuar a exigir apoio institucional e financeiro para poderem participar no esforço de internacionalização e divulgação da cultura científica portuguesa. Por exemplo, instituindo-se gabinetes de tradução (ou apoios financeiros à tradução), departamentos administrativos especializados nas candidaturas aos programas europeus de investigação científica. Aos Professores exige-se um forte empenho nas actividades pedagógicas com os alunos nos seus trabalhos específicos. E simultaneamente um esforço de participação na construção da ciência europeia, marcando posição nas publicações internacionais e divulgando o seu saber nos ‘fora’ mundiais.

Algumas profissões exigem que o aluno complete o 2.º ciclo (“mestrado”). É o caso – na minha opinião - das profissões forenses (Magistrados e Advogados, mas não Solicitadores ou Funcionários judiciais). Esta ideia, porém, não se poderá alargar indefinidamente a todas as Engenharias ou a quaisquer outras profissões. Isso seria uma “burla de etiquetas”: seria manter tudo na mesma, apenas mudando o nome. Onde agora se exige o canudo de “Licenciado”, passar-se-ia a exigir o diploma de “Mestre”.

E sobretudo não acredito que os portugueses precisem de mais anos de formação que os congéneres europeus para adquirir as mesmas competências. Julgo que temos as mesmas capacidades intelectuais que os outros. Apenas se exige que se aprenda mais em menos tempo!

O problema das propinas continua aí. E agora, no 2.º ciclo, com força redobrada! Apenas gostaria de chamar a atenção para uma possível iniquidade: a proposta do Ministro Mariano Gago pode tornar mais barato os cursos de Medicina e Arquitectura que o de Matemática ou História, por exemplo. O que não deixaria de ser estranho…!

E se tivermos um 2.º ciclo muito caro em Portugal? Bom, as crianças que comecem a assistir ao “Canal Panda” para aprender espanhol: em Salamanca será certamente muito mais barato! A propos, ontem já coloquei TV Cabo para minha filha ir treinando a língua de Cervantes alguns minutos por dia!

André Pereira

quinta-feira, maio 12, 2005

Call me Barroso, José Manuel Barroso!

Call me Barroso, José Manuel Barroso!

J.M.D.Barroso não tem tido vida fácil em Bruxelas. Escolhido em ‘petit comité’ dominado pelo Partido Popular, o primeiro-ministro que, à frente de uma coligação de direita, conseguiu a proeza de ter 1/3 dos votos expressos no seu próprio país, recebeu como prémio uma ‘Comissão de Serviço’ por 5 anos em Bruxelas, com a garantia de um regresso em ombros à sua Pátria natal – qual filho pródigo!
Mas afinal havia mais um qualquer pequeno adereço: o seu velho amigo, um bilionário grego com quem lamentavelmente não passava férias há já muitos e muitos anos, finalmente conseguiu convencer o antigo colega José Manuel para uma pausa no Mediterrâneo, naturalmente acompanhado da Senhora sua esposa e seus simpáticos filhos, antes da cansativa e cinzenta ‘estadia’ em Bruxelas.

Estes assuntos da ‘vida privada’ dos ‘grandes líderes’ são agora motivo de interesse não só das revistas cor-de-rosa, mas também dos chamados jornais de referência e mesmo – para grande espanto de quem vive numa democracia em parte dominada pelos caciques corruptos ao nível local e nacional – dos parlamentares europeus!

E não é que querem que o Senhor Presidente da Comissão europeia explique o “como e o porquê” das suas férias?! Um Parlamento a fiscalizar os titulares de cargos executivos? Que estranhos hábitos democráticos têm os ‘europeus’ além-fronteiras. E ameaçam, inclusivamente, com uma moção de censura?!
Vejam: http://www.publico.clix.pt/shownews.asp?id=1223067

Barroso, José Manuel Barroso tem revelado grandes dificuldades.
Logo na “nomeação”: ‘alguns’ sabem porque se tornou público que ele não era a primeira escolha.
Seguindo-se a constituição da equipa de comissários: o Sr. Butiglione, um homem de convicções morais profundas que não estão de acordo com o politicamente correcto ‑ mais um caso em que a vida privada dos “executivos” foi devassada!
Na apresentação de um plano de acção: os media não o deixam fazer passar a mensagem!
Na gestão das suas velhas amizades: um homem como Barroso, que fala inglês e francês, frequentou cursos na Suíça, naturalmente que é velho ‘compincha’ de um negociante grego e obviamente como cavalheiro requintado e habituado a bons tratos passa férias num iate em alto-mar.

E se bem repararmos em todos estes dados, detectamos a razão desta estratégia concertada dos media: temos um português, um italiano e um grego.
A Europa do Norte, ou, como dizem alguns renomados cronistas da praça, alguns media apoiados nas opiniões públicas de França e Alemanha (demasiado conservadoras no seu apreço pelo Estado Social e que não vêem com bons olhos um “liberal reformista” que poderia levar a Europa a caminho do progresso – como aliás começou a fazer em Portugal!) – são estes – os nórdicos, anti-liberais e anti-cristãos – os verdadeiros responsáveis pelo tremendo ‘complot’ contra o nosso “compatriota”, que levou e está a levar o nome de Portugal mais alto e mais longe!

Ou será que esta missão é demasiado elevada para Barroso, José Manuel Barroso?

André Pereira

terça-feira, maio 10, 2005

Estónia: um pequeno país com um grande futuro

Estónia: um pequeno país com um grande futuro

Regressado de uma semana de trabalho na antiga Universidade de Tartu (criada em 1632), onde leccionei ao abrigo do programa de Mobilidade de Docentes ERASMUS, venho partilhar algumas impressões desta viagem.

A Estónia, ex-República soviética, hoje Estado-membro da União Europeia, é um pequeno país com menos de 1,5 milhões de habitantes e com um PIB per capita um pouco inferior ao português.

A passagem da União Soviética à União Europeia deu-se em menos de 15 anos, nos quais se produziu uma alteração radical na sua situação política económica e social.

Em termos políticos, o povo estónio – de etnia e língua próximas das dos finlandeses e bastante distantes das dos russos – recuperou, em 1991, a independência perdida na 2.a Guerra mundial.

O período soviético é pois encarado pelos locais como “ocupação soviética”. E ainda hoje não estão curadas as chagas das décadas de estalinismo e pós-estalinismo, de repressão, violência e privação da liberdade. As relações diplomáticas entre Tallinn e Moscovo são ainda tensas e esta semana o Presidente da Estónia recusou-se a participar nas celebrações da vitória da União Soviética (Rússia?) sobre a Alemanha Nazi, em virtude de Putin ter vindo a produzir algumas declarações dúbias sobre a História dos países bálticos.

Com uma democracia parlamentar consolidada, com um aparelho judicial culto e independente e uma administração pública moderna e sem corrupção, o Estado estónio conseguiu criar condições adequadas para o investimento, a inovação e o progresso do seu país.

A economia é pujante e saudável, assente na iniciativa privada, no investimento externo e interno, num consumo crescente e com uma capacidade produtiva com óptimas condições estruturais.

Em termos agrícolas, encontramos terrenos férteis e extensos, florestas cuidadas e produtivas. A indústria goza de bons acessos ao mar, ferroviários e rodoviários. De energia a preços acessíveis e uma carga fiscal diminuta. Os serviços contam com uma população muito educada, com forte dinâmica empresarial e espírito de trabalho.

Alguns factos merecem a nossa atenção e reflexão:

No sistema de ensino, encontramos escolas públicas especiais para as crianças que revelem maiores capacidades de aprendizagem. Nessas escolas o ensino é quase todo em inglês e o nível de formação excelente, permitindo a formação de elites do melhor nível europeu, essenciais para a afirmação de um pequeno país na cena política, académica, económica e cultural à escala internacional.
Claro que qualquer outra escola pública é de muito bom nível e as taxas de escolarização da população estão entre as mais altas do mundo.

Permitam-me o paralelo com as famosas escolas de futebol do Sporting e do Boavista! Se conseguimos ser Vice-campeões europeus de futebol é porque investimos desde cedo nas nossas crianças. Porque não fomentar estas experiências, em escolas públicas, nos domínios da cultura e do saber?

A cultura ocupa um lugar fundamental na política nacional e municipal. Qualquer pequena cidade de 20.000 habitantes conta com teatros, com concertos de música, com galerias de exposições. Em Tartu, cidade universitária nacional, de dimensões inferiores a Coimbra, encontrei uma dinâmica cultural e intelectual em várias vertentes absolutamente invejável. Se, por um lado, vi bairros com estradas mal alcatroadas, por outro, vi o carinho que a população tem pelos seus liceus e universidades, o respeito que os políticos têm pelos agentes culturais e a exigência que a população dedica à conservação urbanística e ambiental, ao desenvolvimento de uma cidade bonita, inclusiva e progressista. Numa palavra, uma cidade onde se respira cidadania.

Coimbra tem feito alguns progressos, com a execução das grandes obras planeadas e orçamentadas pelo executivo de Manuel Machado, mas à parte alguns concertos novo-ricos do género “Rolling Stones” ou “Lou Reed” que eu tanto apreciei, apenas se sente vir da Praça 8 de Maio uma vaga de fundo de cariz tradicionalista e pseudo-religioso, sem verdadeira atenção ao que de mais moderno se deve fazer em termos de cidade.

Penso que Tartu poderia ser uma boa aliada para a nossa cidade. Proponho a geminação de Coimbra com Tartu!


André Pereira

Para mais informações, veja:
http://www.riik.ee/en/
http://www.tartu.ee/?lang_id=2

quarta-feira, abril 20, 2005

BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, Difícil Libertação da Teologia

BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS
Coluna Visão – 21 de Abril 2005



Difícil Libertação da Teologia


Na vida como na morte, João Paulo II (JPII) foi um espectáculo mediático exaltante que revolucionou a imagem da Igreja no mundo católico e não católico. Agora que o espectáculo terminou, é tempo de reflectir sobre o legado do Papa e os desafios com que a Igreja Católica (IC) se confronta. Quando JPII iniciou o seu pontificado, a IC debatia-se com três problemas. A questão da modernidade: como interiorizar os valores da modernidade como a liberdade, os direitos humanos e a democracia. A questão ecuménica: quais as possibilidades e os limites do diálogo com outras religiões. A questão social: como articular evangelização com promoção humana em sociedades onde as desigualdades sociais não cessavam de aumentar. Estas questões tinham estado no centro do Concílio Vaticano II (1962-65) e tinham dominado os debates teológicos subsequentes entre aqueles para quem o Vaticano II tinha ido longe demais e pensavam ser necessário desactivar o seu impulso reformista (os conservadores) e aqueles para quem o Vaticano II tinha de ser prosseguido, até porque não tinha ido tão longe quanto devia (os progressistas).
A eleição de JPII significou a vitória dos conservadores. A questão da modernidade foi tratada de modo contraditório. A nível externo, os valores da modernidade foram abraçados como pedras basilares da luta anti-comunista. Modernidade tornou-se sinónimo de capitalismo e, pela primeira vez em sua história recente, a IC identificou a sua mensagem com a de um sistema económico concreto (encíclica Centesimus Annus). Esta posição selou a aliança de JPII com Reagan e Thatcher, parceiros na revolução conservadora dos anos oitenta. A nível interno, a questão da modernidade foi suprimida: democracia e liberdade são para vigorar na sociedade, não na Igreja. Esta, para ser fiel à sua missão, deve continuar a ser uma monarquia absoluta, centrada no Papa e na Cúria, e todos os desvios devem ser punidos. O povo de Deus só existe na comunhão com a hierarquia e, por isso, não tem voz nem voto para além dela. Todo o impulso democratizante pós-conciliar foi, assim, neutralizado: exacerbou-se o centralismo, com o esvaziamento do Sínodo dos Bispos; dezenas de religiosos e teólogos foram suspensos, silenciados, censurados, por ousarem abordar questões proibidas: sacerdócio das mulheres, celibato, uso de contraceptivos, aborto, culto mariano, infalibilidade do Papa, novas fronteiras da biologia. Os jesuítas, entre quem soprava forte o vento da renovação, foram fustigados (substituição do Superior Geral, proibição da Congregação Geral de 1981). Pelo contrário, à Opus Dei – conhecida pelo seu conservadorismo teológico e disciplina rígida, e por defender a confessionalidade das instituições temporais – foi confiada a tecnologia institucional do restauracionismo, até ser convertida em prelatura pessoal do Papa, com o que passou a estar subtraída ao controle dos bispos locais.
A contradição entre o tratamento interno e externo dos valores da modernidade passou despercebida do grande público pela maestria com que o Papa reduziu a abertura da Igreja à democratização da sua imagem mediática. E o mesmo se passou com a questão económica. Devido à recusa de JPII de qualquer abertura dogmática ou teológica, o diálogo inter-religioso ficou-se pelos espectáculos dos encontros ecuménicos. O mesmo se passou com a questão social, sendo que aqui a virulência conservadora de JPII atingiu o paroxismo. Tratou-se de uma repressão brutal da teologia da libertação. Esta corrente teológica, assente na opção pelos pobres – “se Deus é Pai tem por missão tirar os seus filhos da miséria” – ganhava terreno na América Latina, continente onde vivem metade dos católicos do mundo, e traduziu-se num novo catolicismo popular que envolvia clérigos e leigos na luta social e política contra a injustiça social. É hoje sabido que JPII se serviu de informações da CIA – sua aliada na luta contra o comunismo – para acusar bispos e padres de subversão marxista, suspendendo-os ou forçando-os a resignar.
Agora que terminou o espectáculo, a Igreja confronta-se com as mesmas questões de 1979 e está em piores condições para lhes dar uma resposta positiva. A Igreja não se deixará iludir pela adesão dos jovens a JPII. É certo que o adoravam, mas estariam provavelmente tão dispostos a seguir na prática os seus ensinamentos conservadores como os ensinamentos revolucionários de Che Guevara, colado ao peito das suas t-shirts. Muita da energia pós-conciliar para libertar a teologia perdeu-se. A verdade é que os grandes temas dos teólogos malditos – democracia interna, injustiça social, sexualidade, discriminação – têm de voltar a ser postos na mesa. Sem isso, é duvidoso que a IC possa continuar a ter pretensões de ser o testemunho vivo de Cristo no mundo em movimento.

Ratzinger: o (novo) Papa!

É verdade. Os que ainda tinham ilusões de que a Igreja católica iria usar a sua grande influência em prol da democracia política, social e económica no terceiro mundo; que iria reconhecer um estatuto às mulheres condizente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos; uma abertura da Igreja à sociedade que aspira por valores e práticas progressistas no plano cultural e social, todos esses tiveram uma grande desilusão ao saber a verdade negra que se escondia sob o fumo branco na cidade do Vaticano na tarde de ontem.

Parece que resta agora à Igreja católica perder mais e mais seguidores na América Latina, ocupar um espaço cada vez mais radical e, naturalmente, mais marginal na Europa e nos Estados Unidos. Sim, o católico democrata de Bóston, John Karry, não se identifica com os valores de Ratzinger. Sim, o Presidente do Brasil e tantos dos seus companheiros e camaradas de Partido não acompanham o pensamento deste Papa. Sim, muitos católicos progressistas europeus sempre viram naquele Cardeal a expressão das forças reaccionárias no Vaticano que dominaram o papado de João Paulo II.

(Novo) Papa?! Sim, o ideólogo do carinhoso e carismático Papa da Polónia era desde há muito o bávaro Ratzinger. A escalada da Opus Dei no Vaticano; a (no entender de muitos) deturpação do Concílio Vaticano II; um pensamento obtuso e cerrado que cativa poucos e cada vez menos tinham uma assinatura. A que agora dá pelo nome de Bento XVI.

Estaremos atentos agora à diplomacia do Vaticano, às aspirações de certos grupos no domínio económico e às campanhas ideológicas retrógradas no domínio da Bioética.

André Pereira

terça-feira, março 08, 2005

Requiem pelo CDS

CDS, Freitas e outras histórias

Caro Carlos Esperança,
Você não só assina com o seu nome como mostra a cara!
É bom que se saiba que na minha opinião, enquanto redactor e co-fundador deste blog, a franqueza e a afirmação de ideias sem neblinas nem tibiezas é factor de construção de uma sociedade mais livre e mais democrática.
É pois muito bom que nos habituemos, na sociedade portuguesa, a "inscrever" para usar a terminologia de José Gil. E isso passa por assinarmos de forma reconhecível os nossos comentários…

Também eu aguardo que sejam reveladas informações que demonstrem alguma incorrecção ou falácia histórica no artigo do Carlos Esperança.

Quanto ao fundo: tenho para mim que o CDS/PP se depara nestas semanas com uma situação de anti-climax tremendo e esta ‘birra’ é disso sintoma. Depois de alcançar o poder de forma inesperada em 2002, não conseguiram perceber que um Partido exige coerência e continuidade ideológica e uma estrutura de bases e de implantação social.

Depois de Monteiro ter esvaziado o Partido dos seus valores fundantes (o anti-socialismo e a democracia cristã) e dos vultos sociais e intelectuais que os exprimiam, Portas esvaziou o Partido de bases e implantação social. Restava, naquele Partido, apenas isso mesmo o PP (Paulo Portas) com uma velha imagem de CDS. A 20 de Fevereiro o sonho do poder esfumou-se e Portas percebeu isso como ninguém, pelo que partiu. Permitam-me que cite Santana Lopes, quando este naquela mesma noite afirmou que ficara provado que à Direita não há alternativa ao PSD.
E isso é verdade: aquele poderia ter sido o grande dia de Portas. O dia em que a Direita se poderia ter cindido em duas, como acontece em França, de forma mais plural em Itália e de forma muito especial na Alemanha. Mas tal não aconteceu: o CDS não tem uma linha ideológica estável, não tem quadros e não tem implantação social. À direita parece que só há mesmo lugar para o PSD.

Freitas do Amaral escreveu um dia que o maior erro político que cometeu como Presidente do CDS foi não aceitar ir para o 1.º Governo Provisório. Com isso ficou conotado com o lado “não democrático” ou “salazarista”.
Eu diria coisa diferente. A grande arte de Sá Carneiro foi ter aceite as fichas dos pides do nosso país e com isso, em poucas semanas, ter criado aquele que é ainda hoje o maior Partido português. Tivesse Freitas aceitado esses “frutos do pecado” e teríamos hoje, quiçá, uma Direita diferente.

Auguro, pois, tempos muito difíceis para o CDS. Um Partido que passou por mutações tão profundas e por cores tão diversas revela falta de espinha dorsal e coerência. Desde a democracia-cristã de Freitas, Lucas Pires e Adriano Moreira ao nacionalismo primário de Monteiro, ao populismo e culto da personalidade de Portas, tudo isto perdendo ano após ano implantação autárquica, motivação das bases e alianças privilegiadas com instituições (maxime a Igreja) revela-se hoje um projecto sem rumo e sem consistência. Poderá ir sobrevivendo na medida em que o PSD se mantenha dividido e sem líder credível. Mas se este aparecer, todo o “povo de Direita”, como é típico em Portugal, deixar-se-à “arrebanhar” no manto de um grande PSD.

Tem pois razão Carlos Esperança ao prever um esvaziamento do CDS. Os simpáticos ‘jovens’ que o dominam carecem de cultura ideológica, conhecimentos culturais e implantação social para poder refundar um verdadeiro Partido à direita do PSD. Resta-lhes uma lenta agonia em que votarão, eventualmente, alguns “contra o sistema” ou outros simpatizantes do símbolo e da bandeira: enquanto estes não voltarem a mudar!

domingo, fevereiro 27, 2005

Presidenciais II (na sequência da intervenção de Carlos Esperança)

A Direita portuguesa convive mal, desde há 30 anos, com a questão Presidencial.
Na verdade, nunca conseguiram eleger um Presidente e não me parece que o consigam nos próximos 10 anos.
E, perguntemos, porque será?
Será que a população portuguesa é maioritariamente de esquerda? A ser assim, a esquerda perde frequentemente nos outros embates (legislativas e autárquicas) por ser, por definição, plural e dividida?

Será porque a Direita portuguesa é demasiado à Direita?
Esta é uma hipótese de trabalho que merecia alguma atenção. Na verdade, o trágico Governo Durão-Portas-Leite-Santana contituirá um “epifenómeno” da Direita portuguesa? Ou será apenas mais um episódio que se seguiu à saga AD-Cavaco e que tem deixado marcas, algumas bem negativas, na sociedade e na economia portuguesas?
Será que AD e Cavaco eram de “centro-esquerda” como agora alguns pretendem fazer crer? Será a governação das dezenas de Câmaras Municipais por parte de autarcas do PSD uma governação centrista ou de centro-esqueda? Haverá sequer verdadeiros democratas-cristãos em Portugal?
Parece-me que não!
Olhemos para o património da democracia-cristã da Alemanha de Adenauer ou Kohl ou mesmo da França e concluiremos que não.
E é esse o drama da Direita portuguesa: é talvez das mais reaccionárias e ideologicamente menos preparadas da Europa. E num embate que se disputa ombro a ombro como as Presidenciais, o “sprint” final exige uma forte mobilização de base ideológica, mas também abertura ao centro político. E o centro tem sido captado, nestes confrontos, pela esquerda. Foi assim, sem dúvida com Soares e com Sampaio.

Quanto às eleições que terão lugar daqui a 10 meses… A esquerda tem neste momento, pelo menos, 10 pontos de vantagem.
Conseguirá o candidato da esquerda perder 1 ponto por mês?!

Estou convicto que, deste lado, aparecerá alguém com o estatuto intelectual, moral e cívico para ser o “Presidente de todos os portugueses”.

sexta-feira, fevereiro 25, 2005

Tertúlia de 2 trintões e outro quase

Caros leitores,

Vivemos tempos de mudança!
Já choveu um pouco, cai neve na serra. Estuda-se nas Universidades, trabalha-se nas empresas. E discute-se política!
Usando um conceito de José Gil, ainda há entre nós quem queira "inscrever".
Merecem aqui um louvor muito especial os meus dois interlocutores: um de esquerda crítica (o Rui), outro da direita trabalhadora (o Eduardo). Ambos juristas de Coimbra que levam o nome da nossa cidade mais longe no país e fora dele, com o brio e a sagacidade que dignifica todos os seus amigos e compatriotas.

Convido, pois, o meu amigo leitor a seguir atentamente o diálogo, de "afrontamento", de afirmação e de contraditório que se tem desenvolvido, nas páginas que se seguem.

Alerto também que já em local próprio, nos comentários ao meu artigo inicial (neste blog, pois claro!), o meu prezado Colega Frederico, distinto jurista de Belo Horizonte, já havia colocado questões pertinentes a partes do meu texto. Não percam, também essa parte.

Agora vem então o diálogo ainda "quentinho".

Atenção: eu ainda não respondi!!!
Há que manter algum "suspense" nos nossos leitores...

Aqui vai:


Aqui começa a resposta de Eduardo a André:


Meu Caro Eduardo!
Meu Caro Amigo André

A História:
A História é sempre a verdade de quem a narra, ou seja, é uma interpretação - e neste caso a tua (que eu já conheço há muitos anos) - de factos que (eventualmente) ocorreram. No caso infra, trata-se mais de uma fábula. A Azul, a minha.

1977 - Primeiro Ministro - Dr. Mário Soares: salva Portugal da Bancarrota,

Meu caro amigo. Os governos provisórios (6) e constitucionais (1) anteriores a 1979, como referes, foram formados - maioritáriamente - por pessoas ligadas (hoje) ao PS e à esquerda, algumas delas que meteram o comunismo na gaveta. E assim o foram porque o ditaram os resultados das eleições (para o Gov Constitucional) de 25/Abr/76 (governou até Jan de 1978) (e antes Vasco). Se alguém salvou o Pais de alguma coisa, não foi certamente que o conduziu para lá.
De Janeiro a Agosto, novamente o PS assume funções, no 2º Gov. Cons. Afinal quem nos conduziu a que???

1983 - depois de 3 anos de Sá Carneiro e de Pinto Balsemão, com Cavaco Silva Ministro das Finanças, Portugal atravessa a maior crise nas suas Finanças Públicas de sempre.
Dr. Mário Soares (Primeiro-Ministro) + Prof. Mota Pinto (Vice-Primeiro Ministro) + Prof. Hernâni Lopes (Ministro das Finanças): negoceiam com o FMI. Mário Soares, a História o dirá..., penso que o maior estadista de sempre!, salva Portugal pela 2.ª vez da bancarrota, para a qual Cavaco havia empurrado o país.

André.
A tal 2ª bancarrota de que falas não existiu, nem estou a ver no que te baseias para referir a maior crise das finanças públicas de sempre. Portugal preparava-se para a entrada na CEE, e o controlo das finanças publicas era apertado (como tinha de ser). A adesão de mais um estado membro assim o exigia. Se o descontrolo era assim tão grande, como é que a adesão foi possível? Só se foi favor...
Em abono da verdade:
C. Silva foi nomeado em 1980 Ministro das Finanças VI Governo Constitucional. Demitiu-se um ano depois recusando-se a integrar o novo executivo - por força da morte de Sá carneiro - liderado por Pinto Balsemão.


1985: morte do Prof. Mota Pinto: o oportunista da Figueira desfaz o bloco central: vota contra a entrada nas Comunidades Europeias, mas gente lúcida como Dr. Rui Machete e o Prof. Hernâni Lopes (gente de direita com dignidade) acompanham Mário Soares e assinam os Tratados de Adesão, que haveriam de lançar Portugal no maior crescimento económico e desenvolvimento social de que há memória (se as pessoas têm memória e se lembram da miséria do fascismo, da instabilidade da 1.ª República e do miserabilismo do Cartismo). Talvez Pombal e o Mata-Frades tenham, no seu tempo, sido visionários como Soares e tantos outros de homens e mulheres esquerda e de direita.


Portugal adere à CEE em 1986, depois do pedido de adesão em 1977 (e da subsequente preparação, que, segundo referes, teve 2 bancarrotas provocadas não por quem governou, mas por 3ºs).
Cavaco ganha o congresso da Figueira da Foz (como sócrates ganha agora o congresso do PS - com largo apoio) e redefine a estratégia do PSD. Acaba a coligação existente e decide ir a eleições, que ganha. Com o impulso do extinto PRD e com uma ajudinha do PS :-) consegue a sua 1ª maioria absoluta (XI Gov Const). Esta, alias, muito necessária para iniciar um caminho de crescimento económico a que Portugal nunca tinha assistido, com a boa ajuda da CEE e dos fundos estruturais, é certo, mas por um caminho de desenvolvimento estrutural (e infra-estrutural de que não dispunha) do país que possibilitaram o desenvolvimento sustentado da economia. O problema da produtividade nessa altura não andava nos telejornais, mas suspeita-se que já aí eramos piores que os outros.
Portugal definitivamente cresceu, com alguma solidez e segurança. Pode haver quem não goste, mas os Portugueses gostaram. 2ª maioria. Ou foi por acaso???


Mas Cavaco, o homem de memórias curtas, arregaça as mangas e com os brindes da história, isto é, com a triste história do PRD consegue o poder e soma e segue até 1995 em que deixa o país com o maior índice de desemprego jamais visto!

A triste história do PRD é uma história de vendettas, na qual o PS terá de assumir alguma responsabilidade ("birra" pelo bloco central).
Onde é que está esse indice André???. N.º? Qual é o centro de sondagens?

Guterres e Sousa Franco têm 4 anos de ouro. O povo sorri e compra 1 milhão de casas e não sei quantos carros; o índice de doutoramentos (sobretudo nas áreas científicas) atinge com o Prof. Mariano Gago o simples 1.º lugar da Europa! Alguns centros de excelência e empresas modernas desenvolvem-se. Bons empresários, alguma motivação na Administração pública, alguma renovação em alguns quadros. Algo progride.

Concordo que o 1º gov de guterres foi bom, muito por culpa de Sousa Franco que é competentíssimo. Segura alguma vontade despesista do PM e dos seus Ministros. Alguma. (...)

As compras... começa o verdadeiro endividamento dos portugueses, com um diuscurso do "tudo é possível". Até a esperança, quando é demais, é má conselheira (até os Desus o sabiam, e por isso foi o último dos males a libertar-se da caixa de Pandora (seguindo a fábula)). As casas e os carros engrossam hoje o mal parado bancário, são o endividamento a 118 % do rendimento disponível, a falência das famílias, ... os milhares de acções judiciais... muita liberdade e muita esperança, sem responsabilidade... os exemplos deveriam ter vindo de cima (como fez Cadilhe, incentivando a poupança, até havia um livrinho...). Mestrados e Doutoramentos estão em saldos, são propostos por tudo o que é publico e privado, e, ainda por cima, descontam nos impostos... Começam a ser o emprego dos desempregados... Não hé necessidade de mão de obra qualificada (licenciada, mestrada ou doutorada), o que é preocupante...

O referendo pela independência de Timor em Setembro de 1999 é um conquista em si mesmo! Uma vitória da política externa de Portugal, com a mãozinha de Bill Clinton!

Qué isto??? Tb é obra do PS???

Terá, contudo, anestesiado a campanha eleitoral e os portugueses brindaram Guterres com um inaceitável empate técnico! 115 vs 115: nem há moções de confiança, nem moções de censura, nem orçamentos de Estado (onde estão os pais da Constituição: grandes responsáveis por estes 5 anos de retrocesso cultural!!!).
O queijo limiano não funciona. Guterres desorienta-se, perde a motivação e é castigado em Dezembro de 2001. Casado de fresco e com criança em casa (filho da sua esposa), decide partir.
Grandes estadistas não o fariam!? Penso que não! Ele deveria ter ido a votos em Fevereiro de 2002: ajustar as contas com os portugueses.

O 115 Vs 115, é o n.º da emergência.
(...) Mas depois a coisa estala... Pina Moura não consegue o que consegue Sousa Franco (um fundou o CDS, o outro é mais à esquerda..., terá isto alguma influência???) e enfim... temos a célebre "cena triste" do pântano. Todo o Pais é apanhado de suspresa (pelo menos parece).

Não é o queijo que não funciona, é o Orçamento...

Não é Guterres que se desorienta, é o País inteiro...

Os motivos pessoais não conheço. Os grandes estadistas que o fariam, tb não.

Devia ter ido a votos??? agora é tarde...


Ferro foi um herói.

Não sei se foi um heroi, mas foi de FERRO...

Durão, apesar de si próprio, é ajudado por um apertado calendário eleitoral (apenas tivémos Janeiro e Fevereiro de campanha). Em 4 a 6 semanas consegue perder uns 6 a 7 pontos, mas o amigo Portas lá estava, nas feiras, para segurar o que haveria de ser não apenas o período mais negro da história recente, mas um simples repetir da tragédia da direita no poder (lembremos 80-83, com Sá Carneiro e Pinto Balsemão, minha vida... lembremos 91-95 em que tudo foi indo aos solavancos com um Cavaco agora endeusado, mas que eu não esquecerei! Não esquecerei!).
A direita em Portugal não tem cultura de Estado: é o nacional-porreirismo e o populismo mais saloio. É esta a regra: salvou-se Cadilhe (finais dos anos 80), trocidado por Portas.

No PS tudo é virtude, nos outros é sorte.... André, Amigo, as coisas não serão sempre assim... E nas feiras andam todos... E não me espanta a tua memória, é clubismo, pois então. O Benfica tb é sempre o melhor do mundo...
Populismo saloio??? "Cavaco é fixe, o resto que se lixe..." (cantarolando) desculpa... não me dês Cavaco...

O homem que quando o partido o chamou (em 95/96) disse que ia para os EUA fazer doutoramento, não se doutorou. Não. Apenas esperou que o pantemineiro do Portas e seus amiguinhos no PSD linchassem o malfadado Prof. Marcelo, para logo aparecer, qual D. Sebastião, e em pouco tempo ganhar de bandeja (prata de Guterres) o poder.
Não para servir Portugal. Não: foi mau demais! Barroso e Leite são uma dupla ainda mais lastimável que Balsemão e Cavaco no tempo deles (81-83). Absolutamente desastroso: o aumento dos impostos, o discurso pessimista, a falta de respeito pela Administração Pública, pelos programas de inovação, pela Ciência: enfim, por tudo o que signifique um Portugal europeu, um Portugal com ambição, com orgulho, com auto-estima. Um caso flagrante de incompetência!

Meu Amigo:
Depois de um PM se demitir, alegando para tanto que não conseguia governar pelo pântano instalado, o que é que esperavas??? Um bando de ideofugitivistas a dizer que era tudo mentira, que o Pais estáva saudável e equilibriado, que o Guterres tinha mentido e que estava tudo bem????? Santa Paciência... Até Constâncio (Seríssimo) o confirmou.... O governo de Durão toma posse e governa com um cenário, pelo menos difícil... boys, desemprego, desânimo....

Quando se olha a desgraça, não se pode pular de alegria, e dizer que estamos no melhor dos mundos. Exagerou-se no pessimismo??? Ainda não sabemos... Mas pelo menos não se trouxeram à memória as más esperanças do antigamente.

Foi mau demais! Santana cumpre um sonho de criança. Passámos por essa vergonha, mas livrámo-nos deste doente mental (estriónico, talvez?) que, parece, agora vai finalmente retirar-se e quem sabe consultar um "analista"!
Passámos por esse vexame. Passou.

Uf....

Sócrates é um profissional, a quem o destino brindou com toda esta sucessão de acontecimentos inesperados. Como bom profissional, embora não brilhante, conseguiu não perder votos. Penso que até terá conseguido ganhar alguns por demonstrar coragem.
Todos temos agora o dever ético e cívico de estar vigilantes e de não perdoar qualquer erro crasso.
O povo deu a Sócrates uma oportunidade de honrar a memória de Mário Soares, isto é, ser estadista!, governar por Portugal, a médio e longo prazo, sem olhar a sondagens e a reclamações de momento.
Acreditemos que ele e os seus Ministros queiram dar verdadeiramente o seu contributo à nossa Pátria. Bem precisamos.

Espero que Sócrates consiga governar. Foi-lhe pedido. Todos estaremos atentos, até porque Portugal entendeu dar ao Governo o instrumento que foi pedido. Têm estabilidade para governar. Vão formar governo para 4 anos. Além do inglês no básico, esperemos que tenham mais ideias.

Por isso, meu querido Eduardo, a história destes trinta anos tem, sem dúvida que tem!, alguns tributos a dar a alguns homens do PSD e da direita portuguesa. Mas, façamos justiça: o PS tem feito a diferença:
- é o Partido da Liberdade (de 74 a 76 travou, nas ruas e nas instituições, o avanço do PCP)
- é o Partido da Europa (Mário Soares fez o (verdadeiro) pedido de adesão em 1977 e concretizou a assinatura 1984)
- é o Partido do crescimento económico (96-2000)
- esperemos que seja agora o Partido do Rigor no Estado e do Estímulo da Sociedade: para uma sociedade livre, de inovação, de desenvolvimento cultural e humano em Portugal.

André.
O PS ganhou as eleições. É estultícia - arrogante??? - epíteta-lo seja do que for. O teu partido tem o lugar que tem, como o têm todos os outros, permitidos por lei em Portugal. Entendia a tua "ânsia" e "voluntarismo" mais durante a campanha do que agora... Mas vá, é um desbafo....

Eu cá continuo, como sabes, sem cartão... sem filiação (sou sócio de um clube de vídeo). E até hoje não precisei dos partidos para coisa nenhuma. Assim continuarei.

Assim é porque faço questão de conservar a capacidade ( e a credibilidade necessária) de ajuizar o que entendo bem e mal, certo e errado, seja quem dor o portagonista do momento. Não me cedo....

E mesmo naquilo que tenho para mim como importante, consigo discernir o suficiente para admitir quando os "meus" falham:

PS - um link, como outro qualquer

http://dn.sapo.pt/2005/02/10/negocios/de_vasco_goncalves_a_lider_ps.html


‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑
Após esta resposta do Eduardo, caros leitores, seguiu-se um interessante diálogo com o Rui. Aqui se apresenta, sem respeitar a ordem cronológica. Mas, caros amigos, já somos “pós-quanticos”, não é verdade….


Rui diz:
1. Acho que a segunda bancarrota a que o André se refere (1980) tem a ver a bronca que o Cavaco de quando se enganou na previsão do ciclo económico e desvalorizou o Escudo, o que teve consequências desastrosas. Estamos a falar de bancarrotas...

Eduardo responde:
:) Bancarrota é de facto muito forte...

2. A triste história do PRD tem a ver com uma "birra" do Eanes que gostaria de ter tido um papel presidencialista tipo De Gaulle de caserna. O PS pagou bem a factura da colagem ao PRD durante 10 anos a amargar as passas do Algarve (mais concretamete as passas de Boliqueime)ou a birra pelo bloco central
Apesar de tudo, tenho saudades do insigne homem das vacas, hermínio Martinho

3. Infelizmente continuamos a ter licenciados e pós-licenciados a menos (comparativamente com qualquer outo país da UE), sem já falar no desmantelamento do ensino médio e técnico... uma proeza de 19 anos de Ministros da Educação Social-Democratas

a) O problema não é ter licenciados a mais, é o mercado não absorver os licenciados, nomeadamente por muito do ensino superior não preparar decentemente os seus alunos nem os tentar inserir no mercado de trabalho... falta é empregabilidade nos cursos. Acaso vais dizer que não nos faltam licenciados em Medicina, Engenharia, etc?Tenho amigos holandeses que até têm duas licenciaturas e que trabalham em caixas de banco e cafés... garanto-te que a qualidade do serviço é bem melhor do que se tivessem a 3ª classe. b) Obviamente que um licenciado em direito por Coimbra tem melhores hipóteses de emprego que um da Internacional, da Subaquática ou da Atlântida... se apesar de tudo ainda decidem estudar nessas universidades é por própria conta e risco... do pessoal do meu ano de Coimbra, salvo uma ou outra excepção, está toda a gente empregada (como advogados, juízes, notários ou docentes).c) Sem pós-licenciados, mestres e Doutores não há investiigação e desenvolvimento (R&D), área em que estamos no pêlo mais comprido da cauda da Europa.

A menos??? para irem trabalhar para onde. para caixas de supermercado??? operadores de telemarkting??? que raio de estatística é essa. onde é que os queres por a trabalhar??? não há empresas que os absorvam!!! Só se for para a função publica, mas parece que não é isso que queres dizer...É MENTIRA que haja licenciados a menos em Portugal. Isso pode ser verdade na Alemanha, na Holanda, na Irlanda. Aqui não é.Ó Cascão. Se houve desmantelamento do ensino médio durante 19 anos, como é que há tantos lic´s, Post- grads. Mestres e Doutores. Não bate a bota com a perdigota.
Há o ensino (em quantidade) que tem de haver. o PS e o PSD nos ultimos anos são responsáveis por isso.

4. O despesismo dos Portugueses... bem, falando verdade, o bem estar da economia depende mais do consumo (chama-se a isto em economia a procura agregada) do que do aforro, que só por si é totalmente improdutivo em termos económicos. De qualquer maneira, quanto ao crédito mal-parado, se não fossem os benefícios fiscais desproporcionados à banca, se calhar os bancos teriam mais cuidado em selecionar a quem emprestam diinhheiro). Por outro lado, os Portugueses estão endividado, isto sim, porque ganham mal. Os nossos concorrentes europeus mais directos- Grécia e Eslovénia- têm salários médios entre 115 e 138% superiores a Portugal... O que coincide com a má distribuição do rendimento em Portugal (segundo pior índice de Gini da UE).
Confesso que não vivo em Portugal há bastante tempo, mas com um salário médio a rondar os 500 Euros, não sei como há quem aguente... E Lisboa é mais cara que Bruxelas ou Amesterdão.Explica-me como é que temos o mesmo PIB per capita da Grécia e a Eslovénia e as pessoas ganham entre 20 e 40% menos? Isso é porque alguem mete a diferença ao bolso, é claro como água... tb nçao se diga que é o peso do estado, porque não imagino máquina estatal mais pesada que a Grega.Obviamente que também há muito endividamento da classe média em Portugal, mas a parte mais significativa da dívida nas famílias é com aquisição de casa própria... a alimentar a especulação imobiliária, claro. Esses comem tudo.O endividamento a 110% não me assusta... há bem pior, por exemplo aqui na Holanda que é de 230% e a economia está na maior... Pediste empréstimo para comprar a tua casa em Lisboa? Se calculares bem a tua taxa de endividamento, se calhar não anda muito longe dos 110% que tinhas indicado :) A minha anda pelos 15% (mas não tenho casa própria... tenho que dividir uma arrendada com um Italiano e um Sérvio)

As pessoas é que são tolas.... não é o que ganham que está mal, é o que GASTAM......... Isto não é difícil de entender..... queres pagar às pessoas com que???? Aqui produz-se pouco, como sabes. Ganha-se demais para o que se produz.... não tem para o plasma, compra das outras...mas em portugal não... A culpa não é doos bancos. Esses exercem o seu negócio - Dinheiro. As pessoas é que querem tudo... e são milhares e milhares.... lá está. mal habituadas com as facilidades e os sorrisos ocos do milhão de casas (ver infra)

5. O "não me dêm cavaco" sepre tem mais piada que o "menino guerreiro" e o "você sabe mesmo quem ele é"... piada piada têm as campanhas do Bloco CaviarSim. Ganham aos pontos. Mas há pouco referia-me ao "soares é fixe", só para dar um exemplo da elevação intectual de algumas das campanhas da esquerda

Hehe... tens razão... Soares é Fixe bate tudo


6. Numa coisa concordo com o Eduardo... No PS não há só virtudes... ainda tenho a colagem do PS ao bombardeaento covarde da Sérvia e a pusilanimidade relativamente à interrupção voluntária da gravidez entalada na garganta. Doou o benefício da dúvida ao PS, mas à primeira bronca séria deles não me caçam o voto nos próximos dez anos.
Por acaso não votei... não estou registado no consulado. :) A última vez que votei no PS foi em 1995.

Prometes que tiras uma foto aos proximos boletins de voto???? Não foi cobardia. Foi liberdade de voto. Mas parece que isso se resolve a teu contento dentro em breve.

7. É engraçado ver que várias personalidades da direita se estão a passar para a Esquerda... O Freitas do Amaral, o Cavaco... Qualquer dia ainda acabam no Bloco de Caviar???
será???
Esta era no gozo... mas ainda gostava de ver o Luís Delgado a elogiar o Francisco Trotskã

8. Tem piada ainda correr tanta água por causa do Camarada Vasco... o homem até era simpático... então e ninguém fala no Camarada Arnaldo Matos, o Grande Educador do Proletariado e amigo do peito do Cherne?:-)
9. É espantosa a semelhança áudio entre o Jerónimo e o Cunhal... o mesmo timbre, a mesma entoação... fabuloso... como assisti à campanha pela rádio até pensei que o homem das sobrancelhas tivesse voltado ao activo
Mas àquele nunca faltou a voz.....

Talvez quando a PIDE lhe estava a aquecer o motor...

10. Infelizmente cartada vai ser difícil, já que tenho que acabar a tese em inícios de Março e dia 25 vou passar duas semanas à Macedónia.
Um abraço Rui
Bolas..... AguardemosPrecisamos de um apanha cartas.....

Hehe... também faltava o Gomes para vomitar os pontos.Um abraçoR.

PS já numa de blogues, cf o Cambão www.cambao.blogspot.pt

Caros leitores: esta é a primeira pequena história de sucesso do andreper.

Aguardem agora pela resposta...

Boa Noite e até amanhã!

quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Ministro Sarmento e “O Desafio da Igualdade”

O Dr. Sarmento, Ministro de Estado e da Presidência, com tutela da Comissão da Igualdade para os Direitos das Mulheres, sentiu a necessidade de se exprimir publicamente (Público, 12.08.2004) no âmbito de um debate que os católicos vêm travando a propósito de um documento exarado pelo Vaticano (“Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre a colaboração do homem e da mulher na Igreja e no Mundo”).
O Ministro da República Portuguesa, que como é sabido é laica e não confessional, vem a terreno discutir as opiniões expressas por uma Igreja. É legítimo! Tanto mais que a Igreja Católica tem uma forte implantação na nossa sociedade.
O que impressiona neste texto é a pobreza reflexiva e crítica, o tom indulgente e passivo de um governante com responsabilidades nesta área. O Senhor Ministro ancora o seu discurso numa meia-dúzia de citações dos doutrinadores da Igreja e apenas transmite uma mensagem: a maternidade é a condição maior e exclusiva das mulheres. E insiste que “a maternidade (...) marca de forma fundamental toda a sua [das mulheres] vida”.
En passant, diz-se muito preocupado com os problemas concretos das mulheres, mas não indica uma medida, um projecto, um caminho no sentido da promoção dos direitos das mulheres. Apetece dizer: “palavras, apenas palavras!” Naturalmente tem ainda o cuidado de imputar considerações vagas a “uma certa esquerda”. Não se percebe que esquerda é essa, nem que perspectivas sejam! Segue pois a boa escola maoísta de produzir imputações genéricas e abstractas ao adversário!
E conclui ainda que o grande desafio é permitir conciliar a vida familiar e a vida profissional das mulheres. Diga-se já: e dos homens?!
Estamos perante o mais puro discurso reaccionário no âmbito da promoção dos direitos das mulheres.
Um governo que tem promovido o desemprego, a manutenção de salários baixos, que tem apostado no desinvestimento nas redes de educação pré-escolar e escolar, apenas pode demagogicamente fazer apelo ao discurso da Igreja para esconder, na sua sombra, a ausência de projecto de ambição e de esperança.
O Ministro parte de um postulado biológico (a exlusividade da maternidade para o sexo feminino) para afirmar uma política (inexistente). Esta linha de raciocínio – desde sempre típica da direita mais conservadora – nada traz de novo ao debate! É vazia e sexista!
Com este texto senti-me revoltado enquanto homem e enquanto Pai!
Se à mulher é dado o privilégio da Maternidade, ao homem é concedido o privilégio da Paternidade. Um política de promoção dos direitos das mulheres passa por uma promoção da paternidade, tal como foi feito nos governos do Eng. Guterres, de que o direito-dever de gozar alguns dias de licença após o parto é apenas um exemplo! Passa pela promoção das famílias e de apoio aos mais carenciados, de que o Rendimento Mínimo Garantido e os programas de inserção na vida activa são bandeira. A promoção da condição feminina passa por um discurso radicalmente diverso do biologismo primário proposto: a transformação da sociedade consegue-se através de uma reorganização das estruturas em que o ideal que se visa atingir na nossa República – liberdade, igualdade e fraternidade – se concretize contra alguns pressupostos biológicos que possam existir.
Senti-me ultrajado enquanto pai, porque se posso admitir que o Senhor Ministro o que mais pretenda das suas filhas é que lhe dêem netos, eu o que desejo da minha filha e das filhas dos meus concidadãos do mundo inteiro é que estas tenham ao seu dispor todas as condições para o livre desenvolvimento da sua personalidade, a livre e empenhada construção do seu projecto de vida! O qual poderá – naturalmente – incluir a maternidade, mas não é essa capacidade que deverá “marcar de forma fundamental toda a sua vida”! É antes a capacidade de ser cidadã!
E ser cidadã, implica não apenas ver garantidos os seus direitos fundamentais, mas também ter acesso à educação, ao emprego, vida púbica, política e empresarial, exactamente nas mesmas condições que teria um filho meu, se o tivesse!
E o papel dos governantes deveria ser o de adoptar uma política activa de promoção da cidadania nas mulheres, de que as quotas e mesmo a paridade são um instrumento fundamental. E quanto à maternidade, Senhor Ministro, que foi feito no âmbito da promoção da saúde familiar e reprodutiva durante estes dois anos? Que foi feito no âmbito da política da luta contra o alcoolismo e a droga? Que foi feito no apoio ao pré-escolar? Que políticas de educação cívica foram levadas a cabo no sentido da valorização do papel da mulher na sociedade e do homem no lar?
Os números são simples, mas dolorosos: em dois anos Portugal desceu 3 lugares na tabela do índice de desenvolvimento humano. E quando assim é, infelizmente, são as mulheres, mães e não mães, as primeiras a pagar a factura!
André Gonçalo Dias Pereira


P.S: É uma alegria saber que o Dr. Sarmento vai deixar de ser Ministro dentro de poucos dias...

Reflexão sobre 30 anos de democracia: carta a um velho amigo

Meu caro,

A propósito de bancarrota, a História:
1977 - Mário Soares assina acordo com o FMI, um crédito de urgência para salvar o país da bancarrota. Salvou!
1983 - depois de 4 anos de Sá Carneiro e de Pinto Balsemão, com Cavaco Silva Ministro das Finanças, Portugal atravessa a maior crise nas suas Finanças Públicas de sempre.
O Dr. Mário Soares (Primeiro-Ministro), o Prof. Mota Pinto (Vice-Primeiro Ministro) e o Prof. Hernâni Lopes (Ministro das Finanças) negoceiam com o FMI. Mário Soares, a História o dirá..., penso que o maior estadista de sempre!, salva Portugal pela 2.ª vez da bancarrota, para a qual Cavaco havia empurrado o país.

1985: morte do Prof. Mota Pinto: o oportunista da Figueira desfaz o bloco central: vota contra a entrada nas Comunidades Europeias, mas gente lúcida como Dr. Rui Machete e o Prof. Hernâni Lopes (gente de direita com dignidade) acompanham Mário Soares e assinam os Tratados de Adesão, que haveriam de lançar Portugal no maior crescimento económico e desenvolvimento social de que há memória (se as pessoas têm memória e se lembram da miséria do fascismo, da instabilidade da 1.ª República e do miserabilismo do Cartismo). Talvez Pombal tenha, no seu tempo e à sua maneira (...), sido um visionário como Soares.

Mas Cavaco, o homem de memórias curtas, arregaça as mangas e com os brindes da história, isto é, com a triste história do PRD que desequilibra o eleitorado de centro-esquerda, consegue o poder e soma e segue até 1995, altura em que, em tabu, abandona o governo, deixando um país com o maior índice de desemprego jamais visto! Vá lá ficaram uns 700km de autoestradas.

Guterres e Sousa Franco têm 4 anos de ouro. O povo sorri e compra 1 milhão de casas e não sei quantos carros; constroem-se cerca de 1000 km de auto-estradas, o índice de doutoramentos (sobretudo nas áreas científicas) atinge com o Prof. Mariano Gago o simples 1.º lugar da Europa! Alguns centros de excelência e empresas modernas desenvolvem-se. Bons empresários, alguma motivação na Administração pública, alguma renovação em alguns quadros. Algo progride.

O referendo pela independência de Timor em Setembro de 1999 é um conquista em si mesmo! Uma vitória da política externa de Portugal, com a mãozinha de Bill Clinton!
Terá, contudo, anestesiado a campanha eleitoral e os portugueses brindaram Guterres com um inaceitável empate técnico! 115 vs 115: nem há moções de confiança, nem moções de censura, nem orçamentos de Estado (onde estão os "pais da Constituição": grandes responsáveis por estes 5 anos de retrocesso cultural!!! Alterem! Estabeleçam um número impar de deputados!).
O queijo limiano não funciona. Guterres desorienta-se, perde a motivação e é castigado em Dezembro de 2001. Casado de fresco e com criança em casa (filho da sua esposa), decide partir.
Grandes estadistas não o fariam!? Penso que não! Ele deveria ter ido a votos em Fevereiro de 2002: ajustar as contas com os portugueses!
Ferro foi um herói.

Durão, apesar de si próprio, é ajudado por um apertado calendário eleitoral (apenas tivémos Janeiro e Fevereiro de campanha). Em 4 a 6 semanas consegue perder uns 6 a 7 pontos, mas o amigo Portas lá estava, nas feiras, para segurar o que haveria de ser não apenas o período mais negro da história recente, mas um simples repetir da tragédia da direita no poder (lembremos 80-83, com Sá Carneiro e Pinto Balsemão, minha vida... lembremos 91-95 em que tudo foi indo aos solavancos com um Cavaco agora endeusado, mas que eu não esquecerei! Não esquecerei!).

O homem que quando o partido o chamou (em 95/96) disse que ia para os EUA fazer doutoramento, não se doutorou. Não! Apenas esperou que o pantemineiro do Portas e seus amiguinhos no PSD linchassem o malfadado Prof. Marcelo, para logo aparecer, qual D. Sebastião, e em pouco tempo ganhar de bandeja (prata de Guterres) o poder.
Não para servir Portugal. Não: foi mau demais! Barroso e Leite são uma dupla ainda mais lastimável que Balsemão e Cavaco no tempo deles (81-83). Absolutamente desastroso: o aumento dos impostos, o discurso pessimista, a falta de respeito pela Administração Pública, pelos programas de inovação, pela Ciência: enfim, por tudo o que signifique um Portugal europeu, um Portugal com ambição, com orgulho, com auto-estima. Um caso flagrante de incompetência!

Foi mau demais! Santana cumpre um sonho de criança. Passámos por essa vergonha, mas livrámo-nos deste doente mental (histriónico, talvez?) que, parece, agora vai finalmente retirar-se e quem sabe consultar um "analista"!
Passámos por esse vexame. Passou.

Sócrates é um profissional, a quem o destino brindou com toda esta sucessão de acontecimentos inesperados. Como bom profissional, embora não brilhante, conseguiu não perder votos. Penso que até terá conseguido ganhar alguns por demonstrar coragem.
Todos temos agora o dever ético e cívico de estar vigilantes e de não perdoar qualquer erro crasso.
O povo deu a Sócrates uma oportunidade de honrar a memória de Mário Soares, isto é, ser estadista!, governar por Portugal, a médio e longo prazo, sem olhar a sondagens e a reclamações de momento.
Acreditemos que ele e os seus Ministros queiram dar verdadeiramente o seu contributo à nossa Pátria. Bem precisamos.

Por isso, a história destes trinta anos tem, sem dúvida que tem!, alguns tributos a dar a alguns homens do PSD e da direita portuguesa. Mas, façamos justiça: o PS tem feito a diferença:
- é o Partido da Liberdade (de 74 a 76 travou, nas ruas e nas instituições, o avanço do PCP)
- é o Partido da Europa (Mário Soares fez o (verdadeiro) pedido de adesão em 1977 e concretizou a assinatura 12.6.1985)
- é o Partido do crescimento económico (96-2001)
- esperemos que seja agora o Partido do Rigor no Estado e do Estímulo da Sociedade: para uma sociedade livre, de inovação, de desenvolvimento cultural e humano em Portugal.
André Gonçalo Dias Pereira