quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Reflexão sobre 30 anos de democracia: carta a um velho amigo

Meu caro,

A propósito de bancarrota, a História:
1977 - Mário Soares assina acordo com o FMI, um crédito de urgência para salvar o país da bancarrota. Salvou!
1983 - depois de 4 anos de Sá Carneiro e de Pinto Balsemão, com Cavaco Silva Ministro das Finanças, Portugal atravessa a maior crise nas suas Finanças Públicas de sempre.
O Dr. Mário Soares (Primeiro-Ministro), o Prof. Mota Pinto (Vice-Primeiro Ministro) e o Prof. Hernâni Lopes (Ministro das Finanças) negoceiam com o FMI. Mário Soares, a História o dirá..., penso que o maior estadista de sempre!, salva Portugal pela 2.ª vez da bancarrota, para a qual Cavaco havia empurrado o país.

1985: morte do Prof. Mota Pinto: o oportunista da Figueira desfaz o bloco central: vota contra a entrada nas Comunidades Europeias, mas gente lúcida como Dr. Rui Machete e o Prof. Hernâni Lopes (gente de direita com dignidade) acompanham Mário Soares e assinam os Tratados de Adesão, que haveriam de lançar Portugal no maior crescimento económico e desenvolvimento social de que há memória (se as pessoas têm memória e se lembram da miséria do fascismo, da instabilidade da 1.ª República e do miserabilismo do Cartismo). Talvez Pombal tenha, no seu tempo e à sua maneira (...), sido um visionário como Soares.

Mas Cavaco, o homem de memórias curtas, arregaça as mangas e com os brindes da história, isto é, com a triste história do PRD que desequilibra o eleitorado de centro-esquerda, consegue o poder e soma e segue até 1995, altura em que, em tabu, abandona o governo, deixando um país com o maior índice de desemprego jamais visto! Vá lá ficaram uns 700km de autoestradas.

Guterres e Sousa Franco têm 4 anos de ouro. O povo sorri e compra 1 milhão de casas e não sei quantos carros; constroem-se cerca de 1000 km de auto-estradas, o índice de doutoramentos (sobretudo nas áreas científicas) atinge com o Prof. Mariano Gago o simples 1.º lugar da Europa! Alguns centros de excelência e empresas modernas desenvolvem-se. Bons empresários, alguma motivação na Administração pública, alguma renovação em alguns quadros. Algo progride.

O referendo pela independência de Timor em Setembro de 1999 é um conquista em si mesmo! Uma vitória da política externa de Portugal, com a mãozinha de Bill Clinton!
Terá, contudo, anestesiado a campanha eleitoral e os portugueses brindaram Guterres com um inaceitável empate técnico! 115 vs 115: nem há moções de confiança, nem moções de censura, nem orçamentos de Estado (onde estão os "pais da Constituição": grandes responsáveis por estes 5 anos de retrocesso cultural!!! Alterem! Estabeleçam um número impar de deputados!).
O queijo limiano não funciona. Guterres desorienta-se, perde a motivação e é castigado em Dezembro de 2001. Casado de fresco e com criança em casa (filho da sua esposa), decide partir.
Grandes estadistas não o fariam!? Penso que não! Ele deveria ter ido a votos em Fevereiro de 2002: ajustar as contas com os portugueses!
Ferro foi um herói.

Durão, apesar de si próprio, é ajudado por um apertado calendário eleitoral (apenas tivémos Janeiro e Fevereiro de campanha). Em 4 a 6 semanas consegue perder uns 6 a 7 pontos, mas o amigo Portas lá estava, nas feiras, para segurar o que haveria de ser não apenas o período mais negro da história recente, mas um simples repetir da tragédia da direita no poder (lembremos 80-83, com Sá Carneiro e Pinto Balsemão, minha vida... lembremos 91-95 em que tudo foi indo aos solavancos com um Cavaco agora endeusado, mas que eu não esquecerei! Não esquecerei!).

O homem que quando o partido o chamou (em 95/96) disse que ia para os EUA fazer doutoramento, não se doutorou. Não! Apenas esperou que o pantemineiro do Portas e seus amiguinhos no PSD linchassem o malfadado Prof. Marcelo, para logo aparecer, qual D. Sebastião, e em pouco tempo ganhar de bandeja (prata de Guterres) o poder.
Não para servir Portugal. Não: foi mau demais! Barroso e Leite são uma dupla ainda mais lastimável que Balsemão e Cavaco no tempo deles (81-83). Absolutamente desastroso: o aumento dos impostos, o discurso pessimista, a falta de respeito pela Administração Pública, pelos programas de inovação, pela Ciência: enfim, por tudo o que signifique um Portugal europeu, um Portugal com ambição, com orgulho, com auto-estima. Um caso flagrante de incompetência!

Foi mau demais! Santana cumpre um sonho de criança. Passámos por essa vergonha, mas livrámo-nos deste doente mental (histriónico, talvez?) que, parece, agora vai finalmente retirar-se e quem sabe consultar um "analista"!
Passámos por esse vexame. Passou.

Sócrates é um profissional, a quem o destino brindou com toda esta sucessão de acontecimentos inesperados. Como bom profissional, embora não brilhante, conseguiu não perder votos. Penso que até terá conseguido ganhar alguns por demonstrar coragem.
Todos temos agora o dever ético e cívico de estar vigilantes e de não perdoar qualquer erro crasso.
O povo deu a Sócrates uma oportunidade de honrar a memória de Mário Soares, isto é, ser estadista!, governar por Portugal, a médio e longo prazo, sem olhar a sondagens e a reclamações de momento.
Acreditemos que ele e os seus Ministros queiram dar verdadeiramente o seu contributo à nossa Pátria. Bem precisamos.

Por isso, a história destes trinta anos tem, sem dúvida que tem!, alguns tributos a dar a alguns homens do PSD e da direita portuguesa. Mas, façamos justiça: o PS tem feito a diferença:
- é o Partido da Liberdade (de 74 a 76 travou, nas ruas e nas instituições, o avanço do PCP)
- é o Partido da Europa (Mário Soares fez o (verdadeiro) pedido de adesão em 1977 e concretizou a assinatura 12.6.1985)
- é o Partido do crescimento económico (96-2001)
- esperemos que seja agora o Partido do Rigor no Estado e do Estímulo da Sociedade: para uma sociedade livre, de inovação, de desenvolvimento cultural e humano em Portugal.
André Gonçalo Dias Pereira