O ano que agora termina foi um ano difícil.
Até Cândido, personagem criada por Voltaire, teria que dar razão ao seu amigo Martin perante as agruras e misérias a que assistimos neste ano.
Começando pelos factores naturais, desde o “Tsunami” que arrasou tantos países no sul da Ásia, e com o qual entrámos em 2005, ao terrível terramoto no Paquistão, passando pelos incríveis tornados no sul dos Estados Unidos.
Em Portugal, apenas nos podemos queixar da seca.
Mas estas dificuldades demonstraram um grande sentido de solidariedade à escala global. A cidadania global viveu aqui mais uma prova de maturidade e fortaleceu-se. Devo dizer, porém, que me parece que se deu muito mais atenção às costas das praias asiáticas onde europeus e americanos passam as suas férias e onde morreram aos milhares, do que os vales e encostas das montanhas do Paquistão onde anónimos morreram de frio e de fome.
No plano político-militar, o Iraque continua a representar uma tragédia. Por vezes contrabalançada por actos eleitorais participados e aparentemente democráticos, mas aquele país tornou-se verdadeiramente numa “escola de terroristas” que levam a cabo as mais terríveis chacinas nas ruas de Bagdade e outras cidades, tendo chegado maiuma vez à nossa Europa, a Londres. Bush está cada vez mais isolado e apresenta pouca imaginação e capacidade de resolver verdadeiramente o problema que criou.
Entretanto, no extremo Oriente, as declarações de inimizade vão subindo de tom. Já não é só o problema do perturbador e inquietante regime autocrático e absurdo da Coreia do Norte; são as duas grandes potências, a China e o Japão, que encenam actos e manifestações de desagrado. É bom que essa escalada verbal termine. E termine já!
O projecto europeu, por tantos em todo o mundo visto como um farol de esperança, como uma organização regional de paz e amizade, de cooperação e desenvolvimento económico-social e cultural, capaz de servir de referência num mundo em desequilíbrio, esse projecto da Europa deu um grande tiro no pé. O não francês e holandês, as hesitações dos líderes (?) europeus constituem um revés no optimismo que o projecto de ratificação acalentava, e que é bem evidente no livro de Jeremy Rifkin “The European Dream”.
No plano nacional, valha a milhões de portugueses a vitória do Benfica. E valha à República o bom Governo que os portugueses exigiram em Fevereiro.
Foi um ano intenso de actividade política. Legislativas, autárquicas e agora Presidenciais, com ameaças de dois referendos pelo meio.
Um ano em que os portugueses souberam realizar as suas escolhas democráticas, em que se revelou que o sistema de partidos, com todos os vícios que possa ter e que devem ser corrigidos, desempenhou um papel importante de mobilização, de organização das correntes ideológico-sociais e de concretização do projecto democrático.
Sou um optimista e por isso devo afirmar que apesar de todas as dificuldades, o espírito humano evoluiu. Até Bush tem agora outro respeito pelas Nações Unidas. O conflito entre a Índia e o Paquistão parece um pouco mais distendido. Israel libertou, em segurança, a Faixa de Gaza. Os Balcãs continuam o processo lento de cicatrização das feridas de uma década de guerras. A Europa, apesar do passo atrás, está a ganhar balanço para dar dois à frente e reassumir o seu projecto de paz, amizade e prosperidade.
Feliz 2006!