sábado, dezembro 31, 2005

Um filme a não perder



O Fiel Jardineiro (The Constant Gardener, 2005), de Fernando Meirelles, com uma extraordinária actuação de Ralph Fiennes (mais uma!) e de Rachel Weisz, é um filme completo.

Uma fotografia de África e de algumas cidades europeias de primeiro nível, um enredo denso e de grande ‘suspense’ e um tema cruel e nobre: a exploração das pessoas de África como cobaias da grande indústria farmacêutica.

O retrato de um mundo cão, onde a corrupção, o vil poder e a brutal desumanidade se sobrepõem ao respeito pela iminente dignidade da pessoa humana, de toda a pessoa humana, incluindo a criança com SIDA de um bairro da lata de Nairobi, ou o velho doente do deserto do Sudão.

Um filme completo, porque transmite fortes sensações dentro da sala de cinema, graças à música, à fotografia, ao drama, à qualidade da realização e da articulação do enredo, sensações, emoções e pensamentos que perduram para lá daquele momento e que mobilizam o espectador para a consciência da radical desigualdade e da miserável estrutura económica mundial que este capitalismo tem desenvolvido.

E, para além do mais, é sobretudo uma magnífica história de amor.

Fernando Meirelles é um realizador brasileiro que se destacou na cinematografia mundial, tendo assinado o “terrível” filme “Cidade de Deus” que o trouxe para as luzes da ribalta.

sexta-feira, dezembro 30, 2005

2005: um ano mau

O ano que agora termina foi um ano difícil.
Até Cândido, personagem criada por Voltaire, teria que dar razão ao seu amigo Martin perante as agruras e misérias a que assistimos neste ano.

Começando pelos factores naturais, desde o “Tsunami” que arrasou tantos países no sul da Ásia, e com o qual entrámos em 2005, ao terrível terramoto no Paquistão, passando pelos incríveis tornados no sul dos Estados Unidos.
Em Portugal, apenas nos podemos queixar da seca.
Mas estas dificuldades demonstraram um grande sentido de solidariedade à escala global. A cidadania global viveu aqui mais uma prova de maturidade e fortaleceu-se. Devo dizer, porém, que me parece que se deu muito mais atenção às costas das praias asiáticas onde europeus e americanos passam as suas férias e onde morreram aos milhares, do que os vales e encostas das montanhas do Paquistão onde anónimos morreram de frio e de fome.

No plano político-militar, o Iraque continua a representar uma tragédia. Por vezes contrabalançada por actos eleitorais participados e aparentemente democráticos, mas aquele país tornou-se verdadeiramente numa “escola de terroristas” que levam a cabo as mais terríveis chacinas nas ruas de Bagdade e outras cidades, tendo chegado maiuma vez à nossa Europa, a Londres. Bush está cada vez mais isolado e apresenta pouca imaginação e capacidade de resolver verdadeiramente o problema que criou.

Entretanto, no extremo Oriente, as declarações de inimizade vão subindo de tom. Já não é só o problema do perturbador e inquietante regime autocrático e absurdo da Coreia do Norte; são as duas grandes potências, a China e o Japão, que encenam actos e manifestações de desagrado. É bom que essa escalada verbal termine. E termine já!

O projecto europeu, por tantos em todo o mundo visto como um farol de esperança, como uma organização regional de paz e amizade, de cooperação e desenvolvimento económico-social e cultural, capaz de servir de referência num mundo em desequilíbrio, esse projecto da Europa deu um grande tiro no pé. O não francês e holandês, as hesitações dos líderes (?) europeus constituem um revés no optimismo que o projecto de ratificação acalentava, e que é bem evidente no livro de Jeremy Rifkin “The European Dream”.

No plano nacional, valha a milhões de portugueses a vitória do Benfica. E valha à República o bom Governo que os portugueses exigiram em Fevereiro.
Foi um ano intenso de actividade política. Legislativas, autárquicas e agora Presidenciais, com ameaças de dois referendos pelo meio.
Um ano em que os portugueses souberam realizar as suas escolhas democráticas, em que se revelou que o sistema de partidos, com todos os vícios que possa ter e que devem ser corrigidos, desempenhou um papel importante de mobilização, de organização das correntes ideológico-sociais e de concretização do projecto democrático.

Sou um optimista e por isso devo afirmar que apesar de todas as dificuldades, o espírito humano evoluiu. Até Bush tem agora outro respeito pelas Nações Unidas. O conflito entre a Índia e o Paquistão parece um pouco mais distendido. Israel libertou, em segurança, a Faixa de Gaza. Os Balcãs continuam o processo lento de cicatrização das feridas de uma década de guerras. A Europa, apesar do passo atrás, está a ganhar balanço para dar dois à frente e reassumir o seu projecto de paz, amizade e prosperidade.

Feliz 2006!

quarta-feira, dezembro 28, 2005

A idade de Soares

De todos os quadrantes políticos, de todos os estratos sociais, mas sobretudo dos mais velhos (de espírito), o argumento da idade é atirado como uma lança venenosa e mórbida que pretende matar a discussão sem sequer a encetar.
Importante não é a idade, é a saúde e a vitalidade!

Apenas fica um dado curioso: o General Norton de Matos quando se candidatou em 1948 à Presidência da República tinha também 81 anos. (vide http://pt.wikipedia.org/wiki/Norton_de_Matos)
E se essas eleições tivessem sido justas, como teria sido diferente o rumo do país no pós-guerra…

E que interessante ver que Mário Soares era já em 1948 o Secretário Geral dos Serviços da Candidatura do General Norton de Matos. (vide http://www.fmsoares.pt/ilustra_iniciativas/2000/000109/MUD_Documentos/cronologia/cronologia48.html).

terça-feira, dezembro 27, 2005

A melhor prenda de Natal

“O que falta dizer: Pensamentos e Histórias de uma vida Política”, o último livro assinado por Mário Soares e três jovens jornalistas (Anabela Mota Ribeiro, Elsa Páscoa e Maria Jorge Costa), consiste numa longa entrevista na qual Soares explica aspectos da sua biografia, do seu pensamento e da sua acção passada, presente e futura.

É marcante o optimismo que o caracteriza. A crença no “progresso moral da humanidade” e no desenvolvimento e melhoria das condições de existência humana.

É um relato de um espírito combativo, corajoso que sempre se bateu por ideais e de concretização de projectos para Portugal: a luta anti-fascista, a estabilização de uma democracia pluralista ocidental, a determinação nos seus governos pelo superar da bancarrota, a aposta europeia, a magistratura em Belém de grande autoridade moral e a concretização de 10 anos de extraordinária estabilidade política, a que se seguiram outros 10 anos de ensino, aprendizagem e dinâmico acompanhamento dos grandes movimentos sociais do mundo: de Porto Alegre a Davos, do Parlamento Europeu ao Diálogo Ecuménico.

Apresenta-se agora como um homem ainda melhor preparado, com uma cultura imensa, uma voz respeitada, que consegue intuir à distância os grandes rumos da história.

Fica sobretudo o exemplo: os homens não são estátuas vivas. Se entendem que ainda podem ser úteis ao seu país, pelo pensamento estratégico que têm, pela capacidade de diálogo e mobilização nacional que apresentam e pelo brilhantismo da sua actividade política, então devem ir com humildade falar ao povo, pedir o seu voto, tentar ganhar umas eleições muito difíceis.

Fica este exemplo: de um homem que de pai da Pátria passa a grande perturbador nacional, de figura consensual passa – num passe de mágica – a objecto de repúdio e desprezo, pelas razões mais mesquinhas.
Um homem que sairá deste combate – independentemente do resultado, que confio será de vitória – mais sabedor, mais enriquecido humanamente, com a sua insaciável curiosidade ainda mais desperta!

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Portugal pós 25 de Abril: IIª ou IIIª República?

A História é uma ciência que carece de distanciamento crítico para que os seus conceitos, a linguagem e os seus resultados sejam mais precisos e uniformes. Por isso, escrever sobre a História recente pode ser sempre fonte de equívocos, imparcialidades e preconceitos.
Vem isto a propósito do problema de saber se vivemos na II.ª ou na III.ª República. Não querendo impor uma visão unanimista sobre tão complexo problema historiográfico, sempre direi que me parece adequado afirmar que vivemos na II.ª República, que se seguiu à I.ª República (1910-1926) e ao Estado Novo.

A não consideração do Estado Novo (corporativista-fascista) como uma II.ª República, mas sim como um interregno político-jurídico nos ideais republicanos e na realização e organização republicana do Estado, tem por base o facto de o seu ideário estar em grande medida em oposição com os princípios fundamentais do Republicanismo em Portugal.

Como se afirma em http://www.uc.pt/cd25a/ospp_po/ospp05.html, “Sem rejeitar teoricamente a forma republicana de governo, a nova Constituição de 1933 e as revisões de que foi objecto consagrava um Estado forte, recusando o demo-liberalismo; o nacionalismo corporativo, o intervencionismo económico-social e o imperialismo colonial constituiram as linhas mestras de um sistema de governo que, sobretudo a partir da Guerra Civil de Espanha, se caracterizou pela censura férrea das opiniões discordantes e pela repressão dos seus opositores. A pedra base de aplicação de tais métodos é constituída pela polícia política salazarista a PIDE.”

Assim, podemos considerar que na essência mesma do republicanismo português está a consagração de um sistema democrático-parlamentar, a laicização do Estado e a salvaguarda e protecção dos direitos, liberdades e garantias. Ora tudo isto é estranho ao período de 1926 (1933) -1974, pelo que muitos entendem que não se deve falar aqui de uma segunda República.

Por outro lado, reservar a expressão II.ª República para o regime consolidado com a Constituição de 1976 permite lançar linhas de continuidade com o Estado português de 1910-1926, como sejam, a separação entre Estado e Igreja, o regime de democracia de partidos, a protecção dos direitos fundamentais. Nesse sentido, se pode ler por exemplo a Constituição da República Portuguesa Anotada (3.ª edição), de Gomes Canotilho e Vital Moreira, por exemplo, nas pp. 16-17.

Repito que esta é uma questão de História de difícil resposta; apenas pretendo dar uma explicação para o facto de eu, seguindo tantos e tantos outros, afirmar que vivemos na II.ª República.

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Mário Soares: jovem, dinâmico, tolerante

Republicano, laico e socialista, Mário Soares moldou em termos decisivos a nossa II.ª República fazendo do respeito pelos que têm opinião contrária o seu mote fundamental. A questão monárquica nem se esboçou, as relações entre o Estado e a Igreja são pacíficas e de cooperação, todos os Partidos, nomeadamente os de Direita, foram sempre respeitados e tratados com isenção por este grande político.
Voto Soares pelo futuro que ele nos propõe: um Estado Social moderno, uma sociedade dinâmica e plural, uma Presidência que dê atenção a todos, sobretudo às minorias, àqueles que não têm voz, aos mais desfavorecidos.
A estabilidade política é uma condição fundamental para vencermos crise orçamental, económica e moral. Portugal pode acreditar! Soares estará sempre presente e será um factor de união entre todos os portugueses.

terça-feira, dezembro 20, 2005

O leão mostra a sua raça ou o lobo começa a despir a pele de cordeiro?

Os portugueses que queiram analisar o debate com atenção, deverão ter reparado que Cavaco tropeçou. Cavaco balbuciou e mostrou-se surpreendido com a possibilidade de um Governo não querer a sua ajuda para “levar a cabo a modernização do país, que só se consegue com o aumento da competitividade das empresas….” (e a cassete continua como já sabem).

Soares numa palavra desmascarou todo o discurso de Cavaco Silva: demagogia.
O político intermitente acena aos portugueses com as bandeiras do costume: emprego, pensões, crescimento, justiça social. Mas quem pode contestar isso?! São banalidades.

O problema é que em Fevereiro os portugueses já disseram que é Sócrates quem tem essa função. Não podemos ter um Governo bicéfalo!

Soares revelou que tem energia física e mental para enfrentar 5 anos de grandes dificuldades. Não podemos desperdiçar esta nova oportunidade dos fundos comunitários de 2007-2013 em guerrilhas institucionais ou com problemas de protagonismo político.

Soares sabe exercer o poder moderador. Já o provou no passado e agora está ainda melhor preparado.

segunda-feira, dezembro 19, 2005

Blair: um líder trabalhista?

À esquerda e à direita, muitos se inquietam com a pessoa política de Tony Blair.
Considerado por muitos como um claro exemplo das políticas de direita, não deixa de ser impressionante que este homem tenha ganho – facto inédito! – três eleições parlamentares como líder do Partido Trabalhista britânico.

O que faz dele um homem de esquerda, afinal?

Vejamos, a traço muito grosso, algumas das medidas mais emblemáticas da sua governação desde 1997:

No plano constitucional:
A aprovação do “Human Rights Act” que confere eficácia no direito interno ao catálogo de direitos fundamentais previstos na Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
A devolução do Poder à Escócia e a Gales, pondo fim ao Estado mais centralista da Europa;
A criação de uma “plataforma de paz” na Irlanda do Norte;
O afastamento de lugares hereditários da “segunda câmara” (House of Lords);
O reforço do poder local.

No plano social:
Um extraordinário investimento na Educação e na Saúde, repondo a dignidade e o prestígio do “National Health Service” (Serviço Nacional de Saúde) e recolocando as Universidades inglesas na linha da frente a nível mundial;
A luta contra as fortes clivagens sociais, a pobreza e o desemprego.

No plano das “questões fracturantes”:
Aprovação de legislação ‘progressista’ em matéria de investigação científica, nomeadamente com respeito aos embriões humanos.
Aprovação de legislação ‘liberal’ em matéria de relações homossexuais.
Reforço das políticas de integração, de protecção dos imigrantes e das classes mais desfavorecidas.

Se no plano internacional, a sua actuação estará sempre manchada pelo embuste do Iraque, é de elementar justiça que se recorde o seu papel no fim do genocídio do Kosovo, na guerra do Afeganistão, na aprovação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, do Protocolo de Kyoto e de uma postura de (tímida) coragem no seu europeísmo.

A História fará o balanço global da actuação deste homem à frente de Downing Street.

Mas, faça-se justiça: muita da sua actuação identifica-se plenamente com os valores e as propostas da esquerda:
luta contra a pobreza e a exclusão,
coesão social,
promoção dos direitos fundamentais,
descentralização política e administrativa,
políticas de emprego,
aposta clara nas políticas sociais (educação e saúde),
uma postura ‘liberal’ (não dogmática) em “questões de sociedade” (bioética e as novas estruturas familiares),
criação de estruturas de regulação das relações internacionais com base no Direito (porém, com a nódoa inolvidável da ocupação do Iraque).

domingo, dezembro 18, 2005

O Presidente e a Estabilidade Política

Nos últimos 30 anos tivemos 3 Presidentes da República: Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio.
Com Eanes a instabilidade política foi a regra. Sampaio, muito por causa de Guterres e de Barroso, também não conseguiu manter a continuidade das políticas, nem contribuir para a criação de governos fortes.
Com Soares, tivemos uma Presidência (86-96) de grande estabilidade. E se a popularidade de Cavaco facilitou esse facto, ninguém pode esquecer que foi Soares quem lhe abriu as portas a uma maioria absoluta ao dissolver – contra a vontade do Partido Socialista, do PRD e do PCP – a Assembleia da República em 1987. São gestos que demonstram a nobreza com que Soares sabe exercer poderes presidenciais: não para servir os interesses imediatos do seu Partido, mas sim para servir o país. E a estabilidade governativa é um factor fundamental.
A Espanha em 30 anos teve 5 Presidentes do Governo: Suárez de 1976 a 1981, Calvo Sotelo de Março de 1981 a Outubro de 1982, Felipe González de 1982 a 1996, Aznar de 1996 a 2004 e Zapatero desde 2004. Muitos dizem que este é um dos segredos do sucesso de Espanha. Oxalá, o próximo Presidente da República procure manter a estabilidade política. Na minha opinião, apenas Mário Soares tem essa virtude de ser um homem moderado e isento que não confunde as funções de Presidente com as de um executivo, e que é capaz de estabelecer pontes com as diversas forças sociais.

Europa: temos Orçamento! Que venha... uma Constituição.

Blair teve um último sopro de imaginação. Jogou a sua última cartada – quiçá bem guardada no seu exímio bluff britânico – às 3 da manhã.
O Reino Unido surge assim como um “doador” de fundos para o alargamento. Prescindindo de uma pequena parte do seu famoso “cheque” em favor do desenvolvimento dos países da Europa de Leste.

Ainda bem que temos orçamento. Parabéns a Blair, malgré tout. Parabéns aos demais chefes de Estado e de Governo, muito especialmente aos nossos representantes.
José Sócrates e Freitas do Amaral podem apresentar, sem dúvida, um excelente resultado para Portugal. E fazem-no com naturalidade, sem alaridos, sem vedetismos. Obrigado pelo vosso trabalho e persuasão! Foi um sucesso!

No plano global, um europeísta não pode estar muito satisfeito.
Uma Europa com cerca de 450 milhões de habitantes, com 10 países novos e pobres, com a Roménia e a Bulgária à porta e crescentes exigências e demandas nos Balcãs e no Mediterrâneo, deveria ir muito além.

Faça-se a justiça de conceder que o presidente da Comissão, José Manuel Barroso, bem afirmou que o orçamento deveria ter uma outra dimensão. Assistimos em directo na BBC ao apelo que ele fez ao próprio povo inglês no sentido da sua compreensão para uma outra postura do seu país.
Foi derrotado. Após as derrotas do referendo à Constituição, perdeu mais uma vez. Mas foi derrotado com grande dignidade. Registo a coragem do Presidente da Comissão Europeia nesta situação.

Um dos pesadelos de 2005, o orçamento, está assim praticamente ultrapassado.

2006 deveria ser um ano de grandes avanços no outro pilar: o político e jurídico. Para tanto, deveríamos retomar o projecto de aprovação de uma Constituição para a Europa. Deixo uma sugestão: tal como este orçamento, mais pequeno que o desejável, mas suficientemente equilibrado para satisfazer as diferentes sensibilidades dos povos europeus, assim poderia ser uma versão revista da Constituição para a Europa. Por outro lado, que o referendo seja no mesmo dia em todos os países!
Quanto a Tony Blair, este pode agora abandonar o seu bom magistério à frente do governo. O governo trabalhista mais longo do Reino Unido. Um Governo que deixou o seu país na linha da frente em vários planos internacionais.

Um alargamento amargo

Com o alargamento, de Maio de 2004, a 10 novos Estados membros, 8 da Europa Central e de Leste (Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, República Checa, Eslováquia, Hungria, Eslovénia) e 2 do Mediterrâneo (Chipre e Malta), parecia que se consolidava um sonho antigo: o Continente europeu voltava a reencontrar-se e com espírito de progresso e solidariedade.

Estes últimos 18 meses, porém, têm sido bastante amargos para os países recém-chegados a esta União.

Primeiro Chirac avisou-os de que não poderiam ter opiniões divergentes do eixo Paris-Berlim em matéria de política externa (a propósito da desastrada carta encabeçada pelo nosso ex-Primeiro Ministro Barroso).
Depois foi Schröder que os ameaçou caso não mudassem a sua política fiscal.
Finalmente as difíceis negociações do orçamento para 2007-2013 no Luxemburgo a culminarem com as propostas humilhantes de Tony Blair.
Acabo de ouvir que o Primeiro-Ministro britânico dá um pequeno passo (quiçá um mero jogo de bluff) ao libertar mais dinheiro do cheque britânico.
Talvez, dentro de horas, todos brindem e anunciem aos seus povos a boa nova de um “orçamento bom para todos”. Oxalá!

Mas esta não foi a Europa pela qual aqueles povos lutaram. Esta não é a Europa da igualdade entre os Estados, da solidariedade e da coesão.
Alguns colegas daqueles países têm-me confessado que frequentemente pressentem de Bruxelas a atitude que experimentaram durante mais de quarenta anos de Moscovo.

segunda-feira, dezembro 05, 2005

Angola: 30 anos de independência

Tive a honra de moderar dois debates organizados pela Casa de Angola no âmbito das comemorações dos 30 anos de independência de Angola. Esse grande e rico país que, nas sábias palavras do Prof. Doutor Eduardo Vera Cruz, alcançou um Estado há 30 anos e está agora a construir uma nação. Nação essa que se vem edificano com base em alguns elementos, dos quais se destaca a língua portuguesa.
Efectivamente, tratou-se uma opção política das elites africanas do pós-independência com vista a garantir a integridade, unidade e independência do Estado angolano a partir da imposição de uma língua comum: o português. Uma língua nacional que fosse factor de integração de etnias, tribos, culturas e tradições diferentes dos vários povos de Angola.
O mesmo se passou noutras ex-colónias portuguesas e agora acontece em Timor-Leste.
O que não deixa de ser uma ironia da História. A língua e a cultura portuguesas têm vindo a ser melhor afirmadas no “mundo lusófono” nestas 3 décadas posteriores ao fim do Império do que em 500 anos do mesmo. Atentem apenas neste dado: em 1974 apenas cerca de 20% da população negra falava o português em Angola; hoje são já mais de 80%!

Temos pois que agradecer aos nossos “povos-irmãos” pelo carinho e apoio que vêm prestando ao nosso idioma. E que pena é que esse idioma, ao menos na sua vertente escrita (o que seria o único elemento possível de unificar), não seja realmente comum aos dois lados do Atlântico! Tenho-me batido sempre pela uniformização da língua portuguesa escrita, em que naturalmente o irmão mais velho teria que fazer mais concessões ao seu irmão mais jovem, mais irreverente e tropical… Infelizmente poucos compreendem a importância estratégica de tal facto.

Mas voltemos aos debates sobre Angola, esse país que cresce a 27,6% ao ano, que é palco de forte competição comercial entre várias potências mundiais, estando a China a afirmar-se de forma marcante. É uma terra de muitas oportunidades e que está a atrair o investimento estrangeiro.
Os empresários portugueses têm a seu favor sobretudo dois factores: a língua portuguesa, a cultura jurídica (lembremo-nos que o Código Civil português, bem como outra legislação, é ainda em grande medida vigente em Angola) e o sistema bancário que é largamente estruturado por Bancos portugueses.

Angola, com o seu imenso território e extraordinárias riquezas naturais, poderá ser um “novo Brasil” do século XXI: uma terra de inclusão de vários povos e nacionalidades, de crescimento económico e de prosperidade.
Sei que há um longo caminho a percorrer. Fica uma nota de optimismo. Cada um, cada sector da sociedade portuguesa deve dar o seu contributo: seja no ensino (onde a Faculdade de Direito de Coimbra tem prestado uma colaboração importante), seja na indústria, na agricultura ou nos serviços – Angola deve ser visto como um aliado estratégico preferencial.