quinta-feira, maio 12, 2011

O doente...

“Quando soube que tinha um tumor no cérebro, descobri, da noite para o dia, um mundo que me parecia familiar, mas que, na realidade, eu conhecia muito mal – o mundo do paciente. Conhecia vagamente o neurocirurgião que me foi imediatamente indicado. Tivéramos pacientes em comum, e ele interessava-se pelo meu trabalho de investigação. Após a descoberta do meu tumor, o teor das nossas conversas alterou-se completamente. Acabaram-se as alusões às minhas experiências científicas. Eu tinha de pôr a nu os pormenores íntimos da minha vida e descrever todos os meus sintomas. Conversávamos sobre as minhas dores de cabeça, os meus enjoos e a possibilidade de eu vir a sofrer ataques epilépticos. Despojado dos meus atributos profissionais, passei a pertencer à “classe” dos simples pacientes. Senti o chão fugir-me debaixo dos pés.
Agarrei-me o melhor que pude ao meu estatuto de médico. De um modo algo lamentável, ia às consultas, de bata branca com o meu nome e os meus graus académicos bordados a azul. No meu hospital, onde era frequente dar-se muita importância à hierarquia, as enfermeiras e as auxiliares que conheciam a minha posição costumavam tratar-me respeitosamente por “Sr. Doutor”. Mas, quando despia a bata branca e me deitava numa maca, passava a ser o “Sr. Fulano Tal” ou, as mais das vezes, “querido”. (…) Entrei num mundo incolor: um mundo em que as pessoas não tinham qualificações, nem profissão. Um mundo no qual ninguém estava interessado naquilo que fazemos na vida ou naquilo que nos possa passar pela cabeça. Muitas vezes, a única coisa que temos de interessante é a última radiografia que fizemos.”[1]


[1] David SERVAN-SCHREIBER, anti-cancro: uma nova maneira de viver, caderno, 2010, pp. 45-46.