Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Relator: | CARMONA DA MOTA | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Descritores: | INDEMNIZAÇÃO DANO DIREITO À VIDA | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Nº do Documento: | SJ200711270033105 | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Data do Acordão: | 27-11-2007 | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Votação: | UNANIMIDADE | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Texto Integral: | S | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Privacidade: | 1 | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Meio Processual: | RECURSO PENAL. | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Decisão: | REJEITADO O RECURSO. | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Sumário : | 1. Por morte da vítima podem ser atendidos – além dos sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do n.º 2 do art. 496.º do CC - «os danos não patrimoniais sofridos pela [própria] vítima» (n.º 3). 2. «A indemnização pela perda do direito à vida (em sentido estrito, não abrangendo a relativa ao sofrimento entre o facto danoso e a morte e a relativa ao sofrimento dos chegados à vítima) é desconhecida na Resolução n.º 7/75, de 14-03-1975, do Conselho da Europa, vem sendo ignorada em decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e é ignorada ou é repudiada nos principais países da União Europeia» (STJ 11-01-2007, revista n.º 4433/06-2). 3. No entanto – e enquanto não houver lugar a «nova ponderação jurisprudencial sobre a sua concessão, atentas as perspectivas de harmonização indemnizatória no espaço da União», deverá continuar - «atento o n.º 3 do art. 8.º do CC» - a ser concedida (ibidem) 4. Trata-se, porém, de uma indemnização simbólica – pois que não atribuída directamente a quem sofre a respectiva lesão – e que, por isso, deverá – na sua fixação «equitativa» - ater-se, sobretudo, às chamadas «regras de experiência» jurisprudencial. 5. No caso, a vítima, embora muito jovem, não tinha qualquer modo de vida regular (dedicando-se à prostituição), era toxicodependente, vivia com a mãe e os irmãos e auxiliava nas lides domésticas. 6. A fixação pelas instâncias em € 40 000 da indemnização pelo dano «morte» (a par dos 7 000 euros atribuídos a título de indemnização pelos demais danos morais próprios) respeitou, por um lado, «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida» e, por outro, os padrões usados – em casos similares – pelo STJ. | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. OS FACTOS I. Após ter bebido bebidas alcoólicas desde o final da tarde, a hora não apurada da noite de 25 para 26 de Janeiro de 2006, o arguido encontrou DD na Avenida Fernão de Magalhães, em Coimbra, junto ao Centro Comercial ... II. O arguido, que sabia que ela se dedicava à prostituição e tendo em vista com ela manter relações sexuais de imediato, perguntou-lhe se pretendia “ir” com ele, ao que ela acedeu. III. Fazendo-se transportar na moto do arguido, ambos se dirigiram para um anexo da residência do mesmo sita na Rua 25 de Abril, Vilarinho, Brasfemes, do município de Coimbra. IV. Aí chegados, volvido algum tempo, por razões não concretamente apuradas, e já no exterior do dito anexo, ambos se desentenderam, passando o arguido a molestá-la fisicamente. V. DD ainda intentou defender-se, mas o arguido, enfurecido que estava, desferiu-lhe vários socos na região da cabeça e na cara, no contexto do que ela foi projectada contra um muro, vindo a bater com a cabeça num ferro aí colocado, com violência, continuando o arguido a desferir vários pontapés em diversas partes do corpo da DD e só parando quando a mesma ficou inanimada aos seus pés. VI-VII. Imediatamente a seguir, apercebendo-se da morte de DD, tendo por desiderato eximir-se do corpo e não ser relacionado com a prática do crime, arrastou-o pelo chão durante algumas dezenas de metros, através de uma vereda existente na propriedade rústica de seus pais aí existente, em sentido descendente, transportando-a por arrastamento, até um passeio da Rua da Azinhaga de Olheiro, local onde depositou o corpo, desnudado da cintura para baixo, e onde o mesmo veio a ser encontrado já de manhã. VIII. Mercê da conduta supra descrita, a vítima sofreu extensas lesões, sobretudo ao nível da cabeça (1). IX. O conjunto das descritas lesões crânio-meningo-encefálicas, foi causa directa e necessária da morte da DD, ocorrida nesse dia. X. Ao actuar da forma descrita, o arguido fê-lo de forma voluntária, sabendo que de tal actuação resultavam para a vítima as lesões que determinaram a sua morte, o que quis e soube, não ignorando a ilicitude de tal conduta. O arguido é primário e encontrava-se bem inserido na sociedade à data da prática dos factos, sendo um bom trabalhador. Tendo-lhe sido fixada nos autos a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, desde Dezembro de 2006, tem estado autorizadamente a desenvolver actividade profissional remunerada, sem qualquer percalço no cumprimento da medida. O arguido tem alguns problemas com consumos excessivos de bebidas alcoólicas, ocasiões em que denota alguma violência. A vítima nascera a 13.02.1985 [e faleceu 18 dias antes de completar 21 anos], sendo filha dos demandantes civis, AA e BB. DD morreu na condição de solteira, sem quaisquer descendentes e adoptados. À data da sua morte, encontrava-se matriculada no Curso de Formação Profissional de Hotelaria, recebendo formação na Obra Social de Torres de Vilela, pelo que auferia o montante líquido mensal de € 197,72. Do casamento dos progenitores da vítima nasceram mais dois filhos, em 06.07.1981 e 02.07.1989, respectivamente. A vítima ainda residia em casa de seus pais, à data da sua morte apenas ocupada efectivamente pela mãe e seus irmãos, dado o divórcio recente entre os seus ditos progenitores, sendo aí que ela DD habitualmente tomava as suas refeições, dormia, procedia à sua higiene pessoal, tinha guardados os seus objectos pessoais e convivia com os demais familiares. Habitação em que a própria vítima ajudava nas tarefas de limpeza e higiene, dada a incapacidade da sua mãe que sofre de uma grande incapacidade motora que a força a deslocar-se pelo menos com “canadianas”. Pela mesma ordem de razões, era a vítima que auxiliava nas demais lides domésticas, tais como a aquisição de alimentação para o agregado familiar, dando a entender à mãe que este apoio e auxílio se prolongariam no futuro e enquanto ela mãe dos mesmos necessitasse. O decesso da DD constituiu um grande desgosto e dor para ambos os progenitores, por se tratar da filha mais velha por quem nutriam sentimentos de carinho e por ser companhia e amparo na vida doméstica. A tal corresponde presentemente com visitas frequentes ao cemitério onde a mesma se encontra sepultada. Em consequência das circunstâncias em que teve lugar o decesso de DD, resultou a perda de toda a roupa e calçado que a mesma vestia, assim como do respectivo relógio, tudo com valor de montante não concretamente apurado. O demandante pagou as despesas de funeral da vítima, em montante não concretamente apurado. Devido à incapacidade motora de que sofre a demandante BB, esta auferia uma pensão mensal no ano de 2005 de € 256,05, tendo em função da composição desse agregado familiar por 5 pessoas (os dois progenitores e os três filhos) e suas dificuldades económicas, designadamente decorrentes da situação habitual de desemprego do progenitor, passado a beneficiar no final desse ano de rendimento social de inserção do montante mensal de € 400,63, entretanto cancelado com o decesso da vítima e dada a circunstância do divórcio entre os progenitores, donde actualmente apenas subsistir a pensão da dita demandante BB. XXIV. Os murros e pontapés que foram desferidos à DD pelo arguido, bem como as consequentes lesões sucessivas para o seu corpo, foram causa de sofrimento físico e dores que se prolongaram e agudizaram até ao momento da sua morte. Na circunstância e momento temporal supra referidos, a vítima teve uma morte rápida, mas não imediata. DD era toxicodependente desde há algum tempo, consistindo a prostituição uma forma de angariar meios económicos para a aquisição dos produtos estupefacientes que consumia. No dia 25 de Janeiro de 2006, consumiu cocaína, pelo menos uma vez». 2. A CONDENAÇÃO Com base nestes factos, a Vara Mista de Coimbra, em 09Fev07, «julgou parcialmente procedente os pedidos de indemnização civil deduzidos por BB e AA, em consequência do que condenou o arguido/demandado a pagar àquela a quantia de € 45 000 e a este a quantia de € 35 500»: No que se refere aos pedidos de indemnização civil deduzidos pelos demandantes, como pais da vítima, AA e BB, de acordo com o disposto no artigo 129.º do Cód. Penal, são os mesmos regulados pela lei civil. Trata-se de responsabilidade civil pela prática de factos ilícitos que acarreta a obrigação para o arguido que actuou ilicitamente nesse particular de indemnizar os lesados pelos danos resultantes do acto ilícito que praticou - cf. artigo 483.1 do Código Civil. In casu, verificam-se todos os pressupostos de tal tipo de responsabilidade civil, a saber: violação de direitos ou interesses alheios, o direito à vida da vítima, com reflexos na titularidade jurídica da própria e de terceiros; ilicitude, já que a conduta do lesante se traduz na prática de um acto rotulado de crime pela ordem jurídica; existe, também, o vínculo de imputação do facto ao agente, que o praticou dolosamente e a existência de um dano, que se traduz na perda do bem supremo vida a que acrescem danos indirectos para os seus progenitores e prejuízos subsequentes que determinam a necessidade de compensação pela lesão ocorrida, e, por último, um claro nexo de causalidade entre o facto e o dano. De acordo com o disposto nos artigos 562º, 563º, 564º e 566º, todos do Código Civil, vigora, em matéria de obrigação de indemnizar, o princípio da reconstituição natural, segundo o qual se deve reconstituir a situação que existiria não fora o facto danoso, em relação aos danos que provavelmente não existiriam não fora a lesão, em termos de causalidade adequada, compreendendo tal obrigação não só os danos emergentes mas também os lucros cessantes, sendo a indemnização fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível e tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos. Também podem ser indemnizados os danos não patrimoniais sofridos, sendo que no âmbito da responsabilidade civil, são apenas os que, pela sua gravidade, mereçam, face às circunstâncias concretas do caso, a tutela do direito – cf. art. 496.º do C. Civil – sendo certo que só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral. A ressarcibilidade dos danos não patrimoniais depende de terem gravidade que justifique a tutela do direito (artigo 496.º do CC), isto é, o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado e, fora disso, não há lugar a indemnização. Nesta situação, os danos causados com a morte de uma pessoa são indiscutivelmente graves e justificam adequada compensação. O art. 494.3 do Código Civil estatui que "o montante da indemnização por danos não patrimoniais será fixado equitativamente, tendo em atenção as circunstancias do caso, o grau de culpabilidade do agente e a sua situação económica. Daí que se entenda que, quando estão em causa danos não patrimoniais, a indemnização tem uma natureza mista: visa reparar os danos sofridos pela pessoa lesada e reprova ou castiga, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente. Demonstrados todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, resta fixar o “quantum indemnizatório", que não se restringe aos danos de natureza não patrimonial. Em primeiro lugar, reclamam ambos os demandantes o ressarcimento do dano não patrimonial constituído pela perda do direito à vida da DD, sua filha. Tal facto é imputado ao lesante em termos de dolo, porque o agente quis directamente realizar o facto ilícito, e dele derivaram danos que, em termos de nexo da causalidade adequada, são imputados à sua conduta lesiva. É hoje comummente reconhecido que o dano não patrimonial da perda da vida é autonomamente indemnizável: a vida é um bem supremo e é juridicamente tutelado. Daí que a maior dificuldade resida na fixação do montante pecuniário susceptível de compensar a sua perda. De qualquer modo, é unânime o entendimento de que, tendencialmente, o valor da vida é igual para qualquer ser humano e, por isso, em abstracto, deve ser valorado através de uma compensação uniforme, sem prejuízo de ser considerada a idade, a saúde, integração e relacionamento social, função desempenhada na sociedade (S.T.J. 2004.03.04, CJSTJ, I-140). Em todo o caso, importa recorrer sempre a critérios de equidade, pretendendo encontrar aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa, limitada por imperativos da justiça real. A falecida DD tinha 20 anos de idade, não estando inserido nem social nem profissionalmente. Ainda assim, foi a sua vida abruptamente ceifada num quadro de dependência do agregado familiar em que se integrava relativamente à mesma, particularmente por parte da sua mãe, com grande incapacidade motora. Apesar das vicissitudes da sua vida, era ela o verdadeiro elo activo daquela família. Os remanescentes membros dela, toda a vida terão de viver com um sentimento de solidão e de perda que só o decorrer dos anos vai atenuando. À luz da jurisprudência última do S.T.J., julgamos equitativamente compensadora a quantia de € 40.000 (2) . No tocante ao sofrimento e perda que cada um deles individualmente padeceu e padece, tratando-se como se tratava de uma filha, relativamente à qual nutriam comprovado carinho, julgamos equilibrada e justa a quantia de € 12.500 para cada um deles. Já quanto às dores sofridas pela vítima antes de morrer, que resulta da factualidade apurada ser uma situação digna de tutela, ainda que em grau algo inferior ao sustentado pelos demandantes (cf. factos XXIV e XXV), temos presente que tem sido entendido que se trata efectivamente de um dano autónomo em relação à perda do direito à vida (...), pelo que, na devida ponderação de que se trata de uma situação intermédia quanto a este concreto dano, entendemos mostrar-se adequado o montante de € 5.000,00, igualmente a dividir por igual entre os seus referenciados herdeiros/progenitores. Por outro lado, pode efectivamente no caso vertente ser valorado o dano patrimonial futuro reclamado pela demandante BB, em consequência da “baixa de rendimentos” que lhe resultou do desaparecimento da filha DD, não propriamente pelo apoio económico-financeiro alegado que não resultou provado, mas por efeito de a vítima ser um auxílio prestimoso nas lides domésticas e apoio pessoal da própria. Na verdade, é um daqueles casos em que a lei concede excepcionalmente o direito de indemnização por danos patrimoniais a terceiros, em caso de morte, como melhor flui do nº 3 do art. 495º do C.Civil, no qual se preceitua que tal pode acontecer na seguinte condição: “os que podiam exigir alimentos do lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava, no cumprimento de uma obrigação natural”. Sobre esta situação tem-se debruçado a doutrina, tendo prevalecido o entendimento de que “se a necessidade de alimentos, embora futura, for previsível, nenhuma razão há para que o tribunal não aplique a doutrina geral do nº 2 do art. 564.º, e mesmo que a necessidade futura não seja previsível, também não há razão para isentar o lesante da obrigação de indemnizar a pessoa carecida de alimentos do prejuízo que para ele advém da falta da pessoa lesada” (Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., p. 647). Já o Prof. Vaz Serra, embora corrobore a posição quanto à previsibilidade futura da necessidade, afasta, porém, a indemnização se o tribunal não tiver elementos que lhe permitam determinar se os danos são previsíveis (RLJ 108-184). Do mesmo modo, existirá o direito de indemnização pela perda de alimentos, mesmo em relação às pessoas a quem o lesado prestava alimentos no cumprimento de um obrigação natural, ou seja, “quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça” (art. 402º do CC), sendo certo que, para este efeito, pode ser relevado o trabalho despendido em prol da família ou na manutenção do lar (...). O que tudo serve para dizer que, embora no caso vertente não tivesse resultado apurado que a vítima auxiliava económico-financeiramente a mãe, já resulta inquestionável que a apoiava e auxiliava nas lides domésticas e na organização do dia a dia daquele agregado familiar em que se integrava, mais lhe dando a entender que este apoio e auxílio se prolongariam no futuro e enquanto ela mãe dos mesmos necessitasse (cf. facto XVIII), pelo que, operando um juízo de previsibilidade dessa contribuição, com que a demandante não mais poderá contar e fruir, mas de que seguramente carece, atenta a sua grande incapacidade, em função da idade de ambas (a vítima contava 20 anos de idade e a sua mãe é pessoa de meia idade, mais concretamente com 52 anos de idade, como se extrai do seu assento de casamento que se encontra a fls. 583 dos autos), logo importa considerar uma esperança de vida de cerca de 28 anos para a demandante (atenta a esperança de vida das mulheres portuguesas se cifrar nos 80 anos de idade), donde, com recurso à equidade, nos termos gerais do art. 566º, nº 2 do CC, se valorar este dano patrimonial futuro em € 10.000,00 a favor da demandante. Finalmente, terá o demandante AA o direito, a título de danos emergentes, do que despendeu com o funeral da vítima e a ser ressarcido da perda do vestuário e calçado da mesma (cf. citado art. 495º, nº 1 do CC), mas, atenta a factualidade restrita apurada em ambos estes pontos (cf. factos XXI e XXII), também será com recurso à equidade, nos termos do art. 566º, nº 2 do C.Civil, que se fixa o montante de total parcial de € 500,00. 3. O RECURSO PARA A RELAÇÃO 3.1. Inconformados, os demandantes civis recorreram em 22Fev07 à Relação, pedindo o reforço da indemnização arbitrada: A decisão "sub judice" é irrepreensível no que tange à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil e da obrigação de indemnizar pelo demandado, pois que, efectivamente, deram-se por provados o facto, a ilicitude, a imputabilidade (em termos de culpa), o nexo de causalidade e os danos. É também incensurável no que concerne à viabilidade de compensação e/ou indemnização de todos os danos autonomamente peticionados pelos demandantes. Todavia, já é censurável o "quantum" indemnizatório declarado, visto que, fixou o valor do direito à vida em € 40 000, os danos não patrimoniais sofridos pelos progenitores em € 25 000, os danos não patrimoniais sofridos pela vítima até sobrevir a morte em € 5 000 e os danos patrimoniais sofridos pela demandante BB em € 10 000. Nos termos do artigo 496.º do Código Civil, todos os danos não patrimoniais devem ser fixados com recurso à equidade, e esta, nos termos do artigo 4° do mesmo diploma legal, visa "a justiça do caso concreto". A jurisprudência produzida, mormente a dos tribunais superiores, tem apontado no sentido da valorização das compensações dos danos não patrimoniais. Atendendo aos factos dados por provados, devia o tribunal "a quo" ter condenado o arguido/demandado ao pagamento de, pelo menos, € 75 000 pelo direito à vida, € 50 000 pelos danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes e € 30 000 pelos danos não patrimoniais suportados pela vítima até ao decesso, a dividir pelos demandantes. Por outro lado, no que concerne ao dano patrimonial arbitrado à demandante BB, dão-se por reproduzidas, "mutatís mutandís" todas as considerações legais, doutrinais e jurisprudenciais expostas acerca do valor e finalidade da equidade, pelo que, levando em consideração uma vez mais os factos dados por provados, devia o tribunal "a quo" ter condenado o arguido/demandado ao pagamento dos peticionados € 25 000. Ao não condenar nos "quanta" supra descritos, a decisão em dissídio profanou os artigos 496°, 4°, 8°, e o nº 2 do 566°, todos do Código Civil, porquanto violou o fundamento da equidade e as decisões/orientações dos tribunais superiores, o que é manifestamente defeso. 3.3. A Relação de Lisboa, em 30Mai07, dando parcial provimento ao recursos dos demandantes civis, «alterou para € 7000 a indemnização pelas dores sofridas pela vítima (...) e para € 15 000 o valor a pagar à demandante por danos patrimoniais»: Temos como adquirido - e não vem posto em causa no recurso interposto - o facto de o pedido civil ser deduzido em processo penal e ser emergente ou resultante de um facto criminoso, não lhe retira a sua natureza estritamente civil. (...) Significa isto, desde logo, que é segundo o preceituado na lei civil que terá de indagar-se da verificação dos pressupostos de indemnização e dos critérios de quantificação dessa indemnização. De acordo, com o estatuído pelo artigo 496.l do Código Civil «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito». A gravidade do dano «há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em consideração as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos. Por outro lado, a gravidade tem de ser apreciada em função da tutela do direito. O dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado» (Antunes Varela, «Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª ed., pág. 606). O quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser apurado, sempre, segundo critérios de equidade, «atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, aos padrões da indemnização geralmente adaptados na jurisprudência, à flutuação do valor da moeda, etc.» Da indemnização pelo dano da perda da vida. O n.º 3 do citado artigo 496.° do C . Civil, contemplando expressamente a indemnização no caso de morte refere: «O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.°; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais" sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito à indemnização nos termos do número anterior». Não vindo questionados os pressupostos legais de que parte o acórdão recorrido, questionam os recorrentes apenas a "justiça do caso concreto", com referência a decisões jurisprudenciais, e à desejável uniformização das indemnizações a arbitrar como compensação pelo dano correspondente à perda do direito à vida. E de facto, não pode o julgador abstrair-se da aplicação uniforme do direito, desde que as situações mereçam tratamento análogo cfr. n.º 3 do art° 8º do C. Civil. O que desde logo nos interpela sobre a debatida questão de estabelecer o que está efectivamente em causa na indemnização pelo dano da perda da vida. Se a compensação da supressão da vida enquanto valor absoluto, não dependendo o montante indemnizatório da idade da vítima, do seu estado de saúde ou das demais circunstâncias ligadas aquela pessoa em concreto - cfr acórdãos do Supremo Tribunal De Justiça de 7.2.2006 e 8.6.2006, ambos disponíveis in www.dgsi.pt - ou se a perda da vida, não só enquanto direito a viver, como também enquanto supressão inerente a tudo o que a vida proporciona, abrindo aqui o caminho à consideração de tudo quanto possa ser considerado no caso concreto, como a idade da vítima, a sua alegria de viver, os projectos pessoais que tinha e outras concretizações da vida. Esta a orientação que cremos maioritária no nosso Supremo Tribunal de Justiça, conforme acórdãos de 11-01-2007 disponível em www.dgsi.pt, e jurisprudência aí citada, bem como a citada no douto acórdão recorrido, posição à qual com a devida vénia aderimos, por a considerarmos como a mais consentânea, com o imperativo de julgamento de acordo com a equidade, ou seja a justiça do caso concreto, a que, por força do art. 496º nº 3, e 494º, ambos do C. Civil, se haverá de atender. Dessa forma se discorda, com o devido respeito, do que se revela como um dos fundamentos do recurso dos demandantes, ao apelarem a uma uniformização independentemente da atendibilidade de outras circunstâncias que não a perda da vida enquanto valor supremo. E porque assim é não podemos deixar de considerar que a indemnização encontrada, depois de considerar não só o valor da vida enquanto valor supremo, e como tal tendencialmente igual para qualquer ser humano, toma em consideração igualmente a idade da vítima, e as vicissitudes da sua forma de viver, dedicando-se à prostituição como forma de angariar meios económicos para adquirir os produtos estupefacientes que consumia, vivendo num quadro de dependência do agregado familiar da mãe. Nessa medida temos como ajustada, a quantia de € 40.000,00 euros fixada como indemnização pela perda do direito à vida da vítima, conforme com o que tem sido estabelecido em recentes decisões jurisprudenciais, e a atribuir em conjunto a ambos os progenitores da vítima, nos termos do nº 2 do art. 496º do C. Civil. A indemnização a pagar pelo arguido a cada um dos recorrentes pelos danos não patrimoniais inerentes ao sofrimento que cada um deles padeceu e padece em virtude da morte da vítima sua filha, foi fixada pelo tribunal a quo em € 12.500,00 euros. A discordância dos recorrentes é fundamentada por referência a jurisprudência por eles citada - o acórdão do tribunal da Relação de Évora de 23-03-2004, disponível in www.dgsi.pt. Tendo aqui pleno cabimento as referências normativas e doutrinais que reportam ao julgamento segundo a equidade, socorremo-nos ainda dos ensinamentos de Antunes Varela - Direito das Obrigações, 9.ª ed., I, 627. Aí se refere que "a restrição do artigo 496.° extrai-se indirectamente uma outra lição: a de que o montante da reparação deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, do bom sendo prático, da justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. É este, como já foi observado por alguns autores, um dos domínios onde mais necessários se tornam o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções com que o julgador deve decidir". Estes ensinamentos são aqui chamados à colação para sublinhar que, sem pretensões a mensurar a dor de quem perde um filho, se impõe ter presente as diferenças que podem, apesar de tudo, considerar..;se de caso para caso. E a situação considerada no acórdão que os recorrentes tomam por bitola é bem diferente da situação que os autos contemplam. No caso presente, das circunstâncias que nos podem ajudar a compreender o sofrimento moral dos demandantes, terão de considerar-se, para além das já referidas condições de vida da vítima, e da sua idade - 20 anos - o facto de residir em casa da progenitora, já que os pais se encontravam separados, e o facto de a sua morte ter representado para os pais um grande desgosto, por se tratar da filha mais velha, e por ser companhia e amparo na vida doméstica, por quem nutriam sentimentos de carinho. Diremos pois que, apesar de todas as vicissitudes a relação entre os demandantes e a vítima sua filha se pautava por laços de afectividade que se aproximam dos que são comuns existir entre pais e filhos. Inexistem outros elementos pelos quais pudesse aferir um especial grau de sofrimento experimentado, pelo que se tem como adequada aquela quantia de € 12 500 euros a título de indemnização por danos não patrimoniais a pagar pelo arguido a cada um dos demandantes. A indemnização pelos danos correspondentes ao sofrimento físico e dores que a vitima padeceu até sobrevir a morte. Foi fixado em € 5000 euros a indemnização a pagar pelo arguido pelos danos não patrimoniais correspondentes ao sofrimento físico e dores que a vítima padeceu até sobrevir a morte. O sofrimento físico sofrido pela vítima no caso concreto dos autos, nos momentos que antecederam a morte, terá de considerar-se proporcional à violência que as lesões por ela evidenciadas documentam, tanto mais que está provado que a morte, ainda que rápida, não sobreveio imediatamente. A natureza particularmente violenta das agressões por ela sofridas não podem deixar de ter-se como indicador do grau de sofrimento experimentado, pelo que temos como mais adequado fixar em € 7000 a quantia a pagar pelo arguido a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela vítima e correspondentes às dores que sofreu e que se prolongaram até à sua morte. A indemnização por danos patrimoniais futuros da recorrente BB, fixada pelo tribunal a quo em € 10.000,00 euros, vem fundamentada como compensação pela "baixa de rendimentos" que resultou da morte da filha, não pelo apoio económico-financeiro que esta prestava, mas pelo auxílio nas lides da casa e apoio pessoal da própria demandante. Insurge-se a recorrente com a demandante, considerando que se tiver em conta a esperança de vida da demandante, é necessária a fixação de € 25.000,00 para indemnizar o prejuízo da demandante, atenta a previsibilidade de continuação da contribuição da vítima. O art. 495.3 do mesmo Código confere efectivamente o direito de indemnização por danos patrimoniais, nos casos de ofensa corporal ou lesão que causa ferimentos e dores no agredido e acaba por provocar a morte, aos que podiam exigir alimentos ao lesado e àqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural. E têm direito à indemnização não só as pessoas que, no momento da lesão, podiam exigir alimentos ao lesado, como também aquelas que só mais tarde poderiam vir a ter esse direito a alimentos, se o lesado fosse vivo, sentido em, que se pronuncia, para além de outros, o Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 5.ª edição, pág. 584. Por outro lado, conforme se dispõe no artigo 2009°, nº1 alínea a), os descendentes incluem-se na 2ª categoria dos obrigados à protecção de alimentos. Relativamente à obrigação de indemnizar, o princípio geral consagrado no art. 562° do Código Civil - é o da reconstituição da situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, sendo a indemnização fixada em dinheiro quando isso não for possível – nº 1 do artº 566º do C. Civil. Por sua vez o art. 564° do mesmo diploma legal dispõe que "o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão" (cfr. nº 1) e que "na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros indemnizáveis, desde que sejam previsíveis. No caso dos autos, como ficou demonstrado, a vítima, que vivia em casa da mãe, ora demandante, auxiliava na limpeza e demais lides domésticas, dada a grande incapacidade da demandante que se desloca com auxílio de canadianas. Não ficou provado que entregassem em casa qualquer quantia em dinheiro, ou que adquirisse a totalidade dos géneros alimentares para a casa da demandante. Nem é de prever que o fizesse, dado que, pela sua situação de toxicodependente, tinha que se dedicar à prostituição para conseguir dinheiro para adquirir os produtos estupefacientes que consumia. Assim que pode dizer-se que a morte da vitima ocasiona para a demandante um dano futuro previsível, correspondente à expressão pecuniária do contributo que era expectável que a vitima continuaria a dar para a lide doméstica nos próximos anos, que por referência à idade da demandante, tida como referencia no acórdão recorrido, e que não é questionada, à duração da esperança média de vida, ou seja durante mais cerca de 28 anos. Essa expressão pecuniária não é passível de quantificação dada a ausência de mais concretos elementos. Nesses casos, em que não é possível apurar o valor dos benefícios ou dos rendimentos que por morte da vítima a requerente se viu privada, haverá que deitar a mão do disposto no nº 3 do art. 566º do Código Civil, julgando o tribunal equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. Ora, a quantia peticionada em recurso pela demandante - € 25.000,00 euros é o que, de acordo com as tabelas financeiras mais usadas, corresponderia grosso modo à capitalização de uma contribuição igual à remuneração de 190,00 € durante o período de esperança de vida da demandante - 28 anos, a uma taxa de juro liquida de 4%, o que só seria de, aceitar se tivesse sido comprovado - e não o foi - que "a vitima entregava à demandante sua mãe todas as quantias que ganhava, e que continuaria a auferir a remuneração de 197,00 euros, o que igualmente não está demonstrado dado que se trata de um curso de formação profissional, cuja remuneração só se mantém enquanto durar o curso. Assim que deitando mão dos critérios de equidade nº 3 do art. 566º do Código Civil, temos como adequado fixar em € 15.000,00 euros a indemnização a pagar à demandante a título de danos futuros correspondentes à privação do contributo da vítima para a lide e asseio da casa, durante o tempo previsível de vida da demandante, calculado, por referência à esperança média de vida, em 28 anos. 4. O RECURSO PARA O SUPREMO 4.1. Notificados por c/r de 01Jun, os demandantes civis – gozando de apoio judiciário - recorreram ao Supremo, em 15Jun07, insistindo no reforço das indemnizações atribuídas: A decisão "sub judice" é irrepreensível no que tange à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil e da obrigação de indemnizar pelo demandado, pois que, efectivamente, deram-se por provados o facto, a ilicitude, a imputabilidade (em termos de culpa), o nexo de causalidade e os danos. É também incensurável no que concerne à viabilidade de compensação e/ou indemnização de todos os danos autonomamente peticionados pelos demandantes. Todavia, já é censurável o "quantum" indemnizatório, visto que confirmou o valor do direito à vida em € 40 000, os danos não patrimoniais sofridos pelos progenitores em € 25 000 e alterou o valor dos danos não patrimoniais sofridos pela vítima até sobrevir a morte para € 7000 e os danos patrimoniais sofridos pela demandante BB para € 15 000. Nos termos do artigo 496.º do Código Civil, todos os danos não patrimoniais devem ser fixados com recurso à equidade, e esta, nos termos do artigo 40.º do mesmo diploma legal, visa "a justiça do caso concreto". A jurisprudência produzida, mormente a dos tribunais superiores, tem apontado no sentido da valorização das compensações dos danos não patrimoniais. Atendendo aos factos dados por provados, que aqui se dão por expressamente integrados e reproduzidos, devia o tribunal na quo" ter condenado o arguido/demandado ao pagamento de, pelo menos, € 75 000 pelo direito à vida; € 50 000 pelos danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes e € 30 000 pelos danos não patrimoniais suportados pela vítima até ao decesso, a dividir pelos demandantes. Por outro lado, no que concerne ao dano patrimonial da demandante BB, dão-se por reproduzidas, “mutatis mutandis” todas as considerações legais, doutrinais e jurisprudenciais expostas acerca do valor e finalidade da equidade, pelo que, levando em consideração uma vez mais os factos dados por provados, devia a Relação de Coimbra ter condenado o arguido/demandado ao pagamento dos peticionados € 25 000». 4.2. O arguido, na resposta de 16Jul07, manifestou-se pela improcedência do recurso dos demandantes civis: O peticionado em sede de recurso mostra-se deveras inflacionado mas, por respeito à família enlutada, não discutiremos o valor da dor nem dos padecimentos sofridos, certos de que não haverá dinheiro algum capaz de justamente compensar tais dores. Todavia, cumpre-nos referir que o presente processo não pode ser também um factor de enriquecimento sem causa a expensas de alguém, que embora arguido, também apresenta débeis condições económicas. De facto, partilhamos a posição assumida pelo STJ 16Abr91, segundo a qual "o art. 496.º do Cód. Civil fixou-se definitivamente não numa concepção materialista da vida, mas num critério que consiste que se conceda ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada, adequada a proporcionar-lhe alegria ou satisfação que de algum modo contrabalancem as dores, desilusões, desgostos ou outros sofrimentos que o ofensor lhe tenha provocado". As públicas dificuldades económicas da família da vítima, relatadas minuciosamente num artigo jornalístico de "O Crime", junto aos autos pelo arguido em sede de contestação, não podem legitimar a dedução de pedidos cíveis inflacionados, sob pena de aparentarem aquilo que por certo não serão. São também públicas, por também terem sido publicadas no mesmo artigo, as dificuldades e problemas do pai da vítima, relacionados com alcoolismo, desemprego, etc. Tal inflação resultava clara desde logo no montante peticionado a título de danos patrimoniais relativos à perda da roupa e calçado da vítima, avaliada em € 500,00 (quinhentos euros). É certo que se trata de uma importância reduzida quando comparada com a totalidade do pedido mas não deixaria de ser indiciadora. Ora, se é certo que a indemnização terá de atender também à situação económica dos lesados, o certo é que também não poderá descurar a situação económica do demandado, que similarmente se apresenta débil. De facto, encontrou-se o demandado largos meses desempregado e a cumprir primeiramente prisão preventiva no estabelecimento prisional de Coimbra, posteriormente obrigação de permanência na habitação em casa dos seus pais, dado que não possuía casa própria. Presentemente encontra-se a trabalhar numa empresa, desde finais de Dezembro de 2006, conforme autorização que lhe foi concedida pelo tribunal no seguimento de requerimento por si formulado nesse sentido. Não possui também bens de relevo, tendo-lhe mesmo sido concedido apoio judiciário para poder efectuar convenientemente a sua defesa no presente processo. Em caso de eventual condenação, não logrará alcançar emprego, desde logo, por razões óbvias, durante o tempo de duração da mesma e mesmo depois de cumprida, atendendo aos complexos que ainda se verificam na sociedade civil portuguesa, poderá não ser fácil arranjar emprego. Na verdade, não se pode esquecer que durante o presente período ainda vigora a presunção de inocência que nada se poderá comparar, em caso de condenação final, com a situação de ex-recluso e "cadastrado". Por outro lado, tais pedidos assentam no parâmetro da actual esperança média de vida das mulheres portuguesas, cifrando-a em 80 anos, gravitando à volta de tal padrão o pedido de compensação pela violação do direito à vida. Ora, entendemos que as especiais circunstâncias atinentes ao modo de vida levado pela vítima, não permitem adoptar semelhante padrão. Na verdade, haverá que lançar mão, não do padrão médio, mas da previsível esperança de vida da vítima em particular. De facto, se é verdade que ao nível do Direito Penal, todas as vidas merecem a mesma tutela, ao nível da vertente indemnizatória sempre se terá de atentar em cada vida em particular, em aspectos diferenciadores e que justificam, em nome do principio da igualdade e da Justiça, uma atenção especial dos julgadores. É claro que tal imporá um juízo de prognose póstuma, de certeza quase zero, à imagem do padrão da esperança média, mas traduzirá uma imagem mais fiel da realidade. Não se poderão olvidar as circunstâncias em que a vítima levava a sua vida: nem a sua actividade, nem os problemas de saúde à data, nem as substâncias estupefacientes que ingeria e seus efeitos, conforme factos dados como provados no douto acórdão recorrido. Entendemos assim que a sua esperança de vida radicaria numa idade bastante inferior aos 80 anos, mas não avançaremos com nenhum padrão de análise por manifesta ausência de conhecimento bastante. Entende-se assim que, atendendo à gravidade do crime ocorrido, não poderá a família enlutada da vítima deixar de ser compensada pelas dores, padecimentos, desgostos, atribulações, etc., ilicitamente sofridos. Todavia, divergimos dos montantes peticionados e do responsável por tal pagamento, na medida em que continuamos a defender não ter sido o arguido o autor material do crime em causa. Na verdade, nesse sentido apresentou o arguido/demandado recurso do acórdão condenatório da Relação na vertente penal, onde expôs em súmula as razões da não autoria de um crime de homicídio. Fica assim na óptica do arguido/demandado, desde logo prejudicado um dos pressupostos da responsabilidade civil, aquele que poderá ser considerado, para o presente efeito, o seu pressuposto basilar. E mesmo que assim se não venha a decidir, o que apenas por mera lógica de raciocínio se pondera, nunca o mesmo teria possibilidades de suportar tais pedidos, atentas as suas débeis realidades económicas. O art. 496.3 CC faz referência expressa à equidade, da qual o tribunal deveria lançar mão para fixar o montante da indemnização. Na definição clássica de Celso jus est ars boni et aequi e sendo certo que a equidade é a justiça do caso concreto não deixa de ser também verdade que comporta alguma dose de discricionariedade para os julgadores. Todavia, não é menos verdade que, mercê da especial competência e preparação técnicas, os mesmos se encontram cabalmente preparados para dela fazer o prudente e avisado uso, não colocando em perigo nem a certeza nem a segurança jurídicas. Na verdade, como refere Henri Motulsky "o direito é o seu domínio próprio". Defendemos assim, na esteira de Rodrigues Bastos, que a equidade deve ser "tomada na acepção de realização da justiça abstracta no caso concreto, o que em regra, envolve uma atenuação do rigor na norma legal, por virtude da apreciação subjectiva do julgador" (sublinhado nosso). Assim sendo, subtraindo o julgador aos critérios puros e rigorosos do normativismo legal, surgirá a equidade como fonte mediata de Direito. Na verdade, a fixação de um quantum indemnizatório, para mais no tocante aos danos não patrimoniais, é a negação da noção de evidência cartesiana própria a assegurar a convicção universal, uma vez que por definição a evidência se impõe a todos. Por outro lado entendemos que no presente caso não se vislumbra qualquer espécie de "miserabilismo indemnizatório". Com efeito, tanto quanto julgamos saber, a condenação do demandado em sede de pedido cível não se distancia do parâmetro jurisprudencial médio e por certo terá sido resultado da devida ponderação e análise. E se é certo que há acórdãos que condenaram em mais também não é menos verdade que também os há a condenar em montante inferior. Não se pode também esquecer quais os pressupostos que estiveram na génese da condenação no valor de € 60.000 pela perda do direito à vida no acórdão citado pelos demandantes no ponto 6, pág.6 das suas alegações de recurso. Tratava-se de um homicídio por negligência, provocado em acidente de viação, em que a vítima era saudável, na flor da idade e com toda uma vida pela frente. Temos para nós que são mais as diferenças com o presente caso do que as semelhanças, não vislumbrando razões para qualquer analogia. No tocante à padronização do dano moral da morte, cremos que se ganha a ideia de certeza, perde a noção de justiça. De facto, nas palavras de Ortega y Gasset, "a única perspectiva falsa é a que pretende ser única". Uma absolutização da igualdade redundaria a final numa desigualdade flagrante e manifesta, uma vez que a essência de tal principio radica em tratar igual o igual e de forma desigual o desigual. Como a possibilidade de haver casos absolutamente idênticos é, ainda que numa perspectiva optimista, quase, ou pouco superior, a zero, como defender a padronização com as inerentes injustiças que lhe seriam associadas? E por outro lado, quem garantiria que a padronização seria € 60.000,00? Por que não os € 40.000 decididos no presente caso? Sem "indemnizómetros" fiáveis e justos, que não adulterados em função das conveniências e posições processuais, não se logrará obter em simultâneo, a padronização e a preservação e respeito pela ideia de justiça! Por nós, apenas temos a afirmar, socorrendo-nos das palavras de António Arnaut utilizadas noutro contexto, "honra à magistratura, que sabe mover-se no chão firme da realidade processual e fugir do pântano enganador das conjecturas perigosas”! Para mais quando a prova de tais danos sempre compete ao demandante nos termos do art. 342.1 do Código Civil, referindo tal artigo que àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado. O TC 389/99 de 23Jun não julgou inconstitucional tal norma quando interpretada no sentido de, nas acções destinadas a obter uma indemnização por danos não patrimoniais, caber ao autor o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que invoca. Ora, no presente caso, vários foram os factos com interesse para a fixação do quantum indemnizatório que, justamente diga-se, foram dados como não provados, conforme resulta do acórdão de primeira instância e reafirmados pelo acórdão da Relação. Não pretendendo o demandado tecer considerações sobre cada um dos danos reclamados, sempre dirá que o acórdão recorrido se encontra fundamentado, quer doutrinal quer jurisprudencialmente, atendendo aos factos dados por provados. Por fim, apenas referir que no tocante aos danos patrimoniais reclamados pela assistente a título de lucros cessantes e de direito a alimentos, e não querendo entrar por querelas doutrinais e jurisprudenciais sobre a sua admissibilidade, sempre se dirá que estes sempre terão de ser proporcionados quer às necessidades daquele que houver que recebê-los quer às possibilidades daquele que houver de prestá-los. Não basta assim que haja previsibilidade da necessidade, sendo fundamental que a possibilidade de os prestar seja igualmente previsível. Ora resultou dos factos dados por provados que a vítima não se encontrava inserida nem social nem profissionalmente, o que faz perigar tal previsibilidade. Por outro lado, resulta claro da condenação, que o dano patrimonial futuro reclamado pela demandante BB não se ficou a dever ao apoio económico-financeiro alegado, uma vez que o mesmo não resultou provado, mas apenas pelo auxílio nas lides domésticas e apoio pessoal da própria. Ainda assim, o tribunal, e socorrendo-nos das contas apresentadas pelo patrono dos demandantes nas suas alegações de recurso, concedeu um montante que representa a prestação mensal de € 44,64 durante os próximos 28 anos, a esperança de vida atribuída à assistente. Na verdade, a condenação pressupõe a entrega de € 15.000, de uma só vez, o que não seria feito pela vítima a título de alimentos, podendo capitalizá-lo mediante a obtenção de juros. Bem sabemos que a taxa de juro não é muito alta, mas a colocação que seja de € 7.500, metade da indemnização concedida, durante 14 anos, contados como se todos fossem comuns, metade da esperança de vida previsível, a uma taxa de 3% ao ano, sempre renderia € 3.152,47. Escusado será dizer que tal valor aumentaria exponencialmente se tiver por parâmetro a totalidade da quantia atribuída ou a totalidade da esperança previsível. No limite, mantendo-se as condições supra referidas, a totalidade da indemnização aplicada durante a totalidade da esperança média de vida, geraria, descontados os juros sobre juros, € 12.608,63, pelo que a indemnização abstracta no tocante aos lucros cessantes se terá de considerar como € 27.608,63, a qual se mostra superior à peticionada! Razões pelas quais não podemos acompanhar a censurabilidade apontada pelos demandantes ao acórdão, no tocante ao quantum indemnizatório, ressaltando a justeza do mesmo atendendo aos factos que foram dados como provados, qualificação essa com a qual não concordamos como explanamos em sede de recurso. Dest’arte, deverá improceder o recurso do pedido cível. 5. SÍNTESE
6. A INDEMNIZAÇÃO aos pais por danos não patrimoniais 6.1. O montante da indemnização por danos não patrimoniais «será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º» (art. 496.3 do CC), a saber: a) O grau de culpabilidade do agente (que, no caso, foi tão elevado que justificou – ante a especial censurabilidade da sua conduta - a agravação de 8-16 para 12-25 (anos de prisão) dos limites mínimo e máximo da pena aplicável ao crime respectivo: art. 132.º do CP); b) A situação económica deste («O arguido encontrava-se bem inserido na sociedade à data da prática dos factos, sendo um bom trabalhador; tendo-lhe sido fixada a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, desde Dezembro de 2006, tem estado autorizadamente a desenvolver actividade profissional remunerada», mas, uma vez que transitou entretanto sua a condenação criminal, aguarda reingresso na cadeia); c) A situação económica do lesado («A vítima, nascida em 13.02.1985, morreu solteira; à data da morte, encontrava-se matriculada num curso de formação profissional, auferindo o subsídio líquido mensal de € 197,72; a vítima ainda residia em casa de seus pais, onde habitualmente tomava as suas refeições, dormia e ajudava nas tarefas de limpeza e higiene, dada a incapacidade da mãe; era ela que auxiliava nas demais lides domésticas, tais como a aquisição de alimentação para o agregado familiar, dando a entender à mãe que este apoio e auxílio se prolongariam no futuro; devido à incapacidade motora de que sofre a demandante, esta auferia uma pensão mensal no ano de 2005 de € 256,05, tendo, em função da composição desse agregado familiar (os dois progenitores e os três filhos) e suas dificuldades económicas (designadamente decorrentes da situação habitual de desemprego do progenitor), passado a beneficiar no final desse ano de rendimento social de inserção do montante mensal de € 400,63, entretanto cancelado com o decesso da vítima e dada a circunstância do divórcio entre os progenitores, donde actualmente apenas subsistir a pensão da demandante»); d) E as demais circunstâncias do caso: a) «O decesso da DD constituiu um grande desgosto e dor para ambos os progenitores, por se tratar de filha por quem nutriam sentimentos de carinho e por ser companhia e amparo na vida doméstica»; b) «A tal correspondem [os pais] presentemente com visitas frequentes ao cemitério onde a mesma se encontra sepultada»; c) «DD era toxicodependente desde há algum tempo, consistindo a prostituição uma forma de angariar meios económicos para a aquisição dos produtos estupefacientes que consumia». 6.2. As instâncias fixaram a indemnização pelo dano moral dos pais em € 25 000 (2 * 12 500), embora os requerentes pugnem pela sua fixação no dobro. No entanto, a consideração conjunta de todos os factores consideráveis (designadamente a fragilíssima situação económica do demandado) não consentiria – nem consente - que, segundo critérios de equidade (3) , a indemnização devesse ou pudesse ter sido fixada em maior montante. Além de que não só «escapam à admissibilidade de recurso “as decisões dependentes da livre resolução do tribunal”» como, em caso de julgamento segundo a equidade, «devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses [que não é a dos autos] em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”» (STJ 16-10-2000, recurso n.º 2747/00-5, e 17-06-2004, recurso n.º 2364/04-5) 7. A INDEMNIZAÇÃO À Mãe por danos patrimoniais futuros A atribuição à mãe da vítima de um capital que compense, através do seu rendimento e das suas próprias forças, a perda definitiva da sua «participação» no ganho da vítima depara-se, no caso, com dificuldades de monta. Por um lado, a mãe da vítima, contando 52 anos de idade, tinha e tem a sua esperança de vida algo comprometida por «sofrer de uma grande incapacidade motora que a força a deslocar-se com canadianas». Por outro, a vítima, contando embora apenas 20 anos de idade e ajudando a mãe das lides domésticas, em pouco contribuía – senão indirectamente (auxiliando-a nessas lides) – para a economia do agregado (que vivia, fundamentalmente, devido à sua incapacidade e à situação de desemprego crónico do marido, do rendimento social de inserção). Com efeito, a vítima era «toxicodependente desde há algum tempo» e não tinha modo de vida definido, prostituindo-se como «forma de angariar meios económicos para a aquisição dos produtos estupefacientes que consumia». Ao tempo da sua morte, frequentava um curso de formação profissional, ignorando-se porém se apenas para aproveitar o respectivo «subsídio» se no propósito de o vir a utilizar no futuro. Esta indefinição do modo de vida da vítima e o seu reduzido contributo efectivo para a economia do agregado que integrava impedem que, em termos de equidade, que se atribua à mãe (que afinal vivia não do auxílio económico da filha mas da sua própria pensão de invalidez) – da parte do autor do homicídio da filha (que aguarda um longo encarceramento e não disporá de outros rendimentos senão os que vier a obter, quando libertado, do seu trabalho como «carpinteiro») de um capital indemnizatório maior que aquele que - proporcionadamente às necessidades daquele que houver que recebê-los e às possibilidades daquele que houver de prestá-los - a Relação acabou por arbitrar (€ 15 000). 8. A INDEMNIZAÇÃO pelo dano moral da vítima 8.1. A vítima faleceu, solteira, 18 dias antes de completar 21 anos. Vivia com a mãe e os irmãos em casa dos pais. À data da sua morte, recebia formação profissional na Obra Social de Torres de Vilela, auferindo um subsídio líquido mensal de cerca de € 200. Ajudava a mãe nas tarefas domésticas. Era toxicodependente desde há algum tempo, prostituindo-se como forma de angariar meios económicos para a aquisição da cocaína que consumia. Os murros e pontapés que a vitimaram bem como as graves lesões físicas delas resultantes «foram causa de sofrimento físico e dores que se prolongaram e agudizaram até ao momento da sua morte». «A vítima teve uma morte rápida, mas não imediata». 8.2. A violência brutal da agressão sofrida - que conduziu a uma morte rápida, se bem que não imediata, da vítima – justifica que a Relação haja subido para € 7 000 a indemnização (por danos morais próprios, excluídos os decorrentes da perda da vida) que a 1.ª Instância fixara em € 5 000. 8.3. Mas, devendo «o montante da indemnização (por danos não patrimoniais) ser fixado equitativamente» (art. 496.1 do CC), isto é, «tendo em conta todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida», deverão os tribunais de recurso, nomeadamente os de revista, limitar a sua intervenção - em caso de julgamento segundo a equidade (em que «os critérios que os tribunais devem seguir não são fixos» (4) - às hipóteses (que não esta) em que o tribunal recorrido haja afrontado, manifestamente, aquelas «regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida». 9. A INDEMNIZAÇÃO PELO DANO DA PERDA DA VIDA 9.1. Por morte da vítima podem ser atendidos – além dos sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do n.º 2 do art. 496.º do CC - «os danos não patrimoniais sofridos pela [própria] vítima» (n.º 3). 9.2. «A indemnização pela perda do direito à vida (em sentido estrito, não abrangendo a relativa ao sofrimento entre o facto danoso e a morte e a relativa ao sofrimento dos chegados à vítima) é desconhecida na Resolução n.º 7/75, de 14-03-1975, do Conselho da Europa, vem sendo ignorada em decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e é ignorada ou é repudiada nos principais países da União Europeia» (STJ 11-01-2007, revista n.º 4433/06-2). 9.3. No entanto – e enquanto não houver lugar a «nova ponderação jurisprudencial sobre a sua concessão, atentas as perspectivas de harmonização indemnizatória no espaço da União», deverá continuar - «atento o n.º 3 do art. 8.º do CC» - a ser concedida (ibidem). 9.4. Trata-se, porém, de uma indemnização simbólica – pois que não atribuída directamente a quem sofre a respectiva lesão – e que, por isso, deverá – na sua fixação «equitativa» - ater-se, sobretudo, às chamadas «regras de experiência» jurisprudencial. 9.5. No caso, a vítima, embora muito jovem, não tinha qualquer modo de vida regular (dedicando-se à prostituição), era toxicodependente, vivia com a mãe e os irmãos e auxiliava nas lides domésticas. O agressor 9.6. A fixação pelas instâncias em € 40 000 da indemnização pelo dano «morte» (a par dos 7 000 euros atribuídos a título de indemnização pelos demais danos morais próprios) respeitou, por um lado, «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida» e, por outro, os padrões usados – em casos similares – pelo STJ:
10. conclusão O recurso dos demandantes AA e BB é manifestamente improcedente e, como tal, de rejeitar. 11. DECISÃO 11.1. Tudo visto, o Supremo Tribunal de Justiça, reunido em conferência para apreciar a questão prévia suscitada pelo relator no exame preliminar, rejeita – ante a sua manifesta improcedência – o recurso oposto pelos demandantes AA e BB ao acórdão da Relação de Coimbra, que, em 30Mai07, fixou em € 87 500 [contra os pretendidos € 180 500] a indemnização global a eles atribuível por decesso da filha. 11.2. A título de sanção processual (art. 420.3 do CPP), os recorrentes pagarão uma importância (5) de 5 (cinco) UC. Lisboa, 27 de Novembro de 2007 Carmona da Mota - (relator) Pereira Madeira Santos Carvalho --------------------------------------------------------------------------------------------------------- (1) «Partes Moles. Infiltração sanguínea das regiões frontal, temporo-occipital esquerda e temporal direita e do músculo temporal esquerdo. Estrutura óssea. Abóbada. Fractura na metade esquerda do osso frontal, com concavidade inferoposterior, desde a porção media do arco orbitário esquerdo até à extremidade lateral da metade esquerda da sutura coronal, onde intercepta quase perpendicularmente uma outra fractura que se estende desde o pterion para cima, sobrepondo-se inicialmente à sutura coronal e terminado depois, um pouco anterior a esta, fazendo assim uma esquírola, quase completa com afundamento. Desarticulação da metade anterior da articulação temporo-parietal e articulações esfeno-temporal e esfeno-frontal esquerdas. Traço de fractura na grande asa esquerda do osso esfenóide desde a sutura esfeno-frontal, continuando-se, inferiormente, para a base. Fissuras na tábua interna nos dois terços posteriores da sutura sagital, continuando-se numa pequena extensão pela sutura lambóide para a base do crânio e na parte esquerda da sutura coronal, em correspondência com a desarticulação desta, em continuação do complexo fracturário crânio-facial. Todas as fracturas rodeadas de infiltração sanguínea. Base. Fractura da apófise crista galli e da lâmina cribiforme do osso etmóide com arrancamento e envolvimento pela dura. Fractura estendendo-se latero-posteriormente, desde metade direita da lâmina cribiforme, interessando a grande asa correspondente do esfenóide e a fossa média, terminando na parte lateral do rochedo direito. Traço de fractura na grande asa esquerda do esfenóide, em continuação com a descrita na abóbada, estendendo-se postero-medialmente, terminando na fossa média, na parte medial do rochedo do osso temporal esquerdo. Fractura sobreposta à metade esquerda da sutura lambdóide, em continuação da fissura da tábua interna descrita na abóbada, prolongando-se até ao rochedo do osso temporal esquerdo. Equimose arroxeada no rochedo do osso temporal esquerdo. Todas as fracturas rodeadas de infiltrações sanguíneas. Face. Fracturas dos ossos próprios do nariz. Fracturas dos processos frontal e temporal do zigomático esquerdo deixando o osso como que desarticulado. Fractura do processo coronóide esquerdo da mandíbula. Fractura do maxilar esquerdo. Todas as fracturas rodeadas de abundante infiltração sanguínea dos tecidos moles. Meninges. Hemorragia subdural a nível da convexidade do hemisfério cerebral direito e fossas média e posterior direitas. Hemorragia subaracnoideia frontal, parieto-temporo-occipital direita, temporal esquerda e do hemisfério cerebeloso esquerdo. Dura-máter contendo, a nível de foice, a apófise crista galli e esquírolas da lâmina crivosa do etmóide. Encéfalo. Zonas com focos de contusão ma base do lobo frontal direito e convexidade dos lobos frontal, temporal, parietal e occipital direitos. Focos de contusão na convexidade e face medial do lobo frontal esquerdo e na base do lobo temporal esquerdo. Amolecimento do parênquima. Cavidades arbitrárias e globos oculares. Petéquias na esclera de ambos os olhos. Acentuada infiltração sanguínea dos tecidos periorbitários esquerdos. Hemorragia subconjuntival esquerda. Cavidade bucal e língua. Equimose no bordo esquerdo da língua» (2) «Atendendo a que vieram a juízo pedir essa compensação, que é atribuída, em conjunto, à globalidade dos herdeiros, precisamente os dois únicos herdeiros da vítima, com tal estabelecemos a correspondente indemnização de cada um deles em € 20.000» (3) «O montante da indemnização por danos não patrimoniais, de harmonia com o preceituado no art. 496.º, n.º 1, do CC, deve ser fixado equitativamente, isto é, «tendo em conta todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida» (Antunes Varela - Henrique Mesquita, Código Civil Anotado, vol. 1.º, anotação 6.ª ao art. 496.º). (4) Antunes Varela - Henrique Mesquita, Código Civil Anotado, vol. 1.º, anotação 1.ª ao art. 494.º. (5) Não coberta, por se não tratar de custas, pelo apoio judiciário de que gozam. |