quarta-feira, junho 29, 2016

Cinco propostas para um Brasil mais democrático, mais justo e mais solidário!


André Gonçalo Dias Pereira
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Portugal


Cinco propostas para um Brasil mais democrático, mais justo e mais solidário!

Agosto de 2003: depois de São Paulo rumei a Londrina, uma cidade onde encontrei pessoas maravilhosas e simpáticas, mas onde estranhei o medo de deixar o automóvel na rua durante a hora de almoço e registei a falta de esplanadas onde os jovens se concentrassem ao ar livre. No Rio de Janeiro, senti medo, incríveis desigualdades sociais e  zonas da cidade muito desarranjadas.
Em 2004 conheci outra região, onde me senti que a noção do Estado de Direito ainda estava em afirmação e muita dinâmica social se operava por influências familiares antigas.
Tenho tido a fortuna de ao longo destes 13 anos ter viajado pelo Brasil e fui descobrindo um país, de norte a sul, onde o progresso e o desenvolvimento económico e social foram pujantes e radiosos.
Clubes de vinho em São Luís, restaurantes chiques em João Pessoa, uma academia sofisticada em vários pontos do país, a criação de uma classe média vigorosa e consumidora, milhões e milhões de pessoas  saindo da pobreza...  Todavia, uma certa desagregação nacional manteve-se ou até se reforçou, as diferenças de classe, as diferenças regionais, a ausência do sentido de um projeto comum, o afunilamento em posições políticas muito extremadas e conflituais... até que chegou a recessão económica, causada por uma economia muito dependente dos preços das matérias primas e de uma certa saturação do consumo enquanto vetor do crescimento, tudo ‘toxicamente’ misturado com acusações gravíssimas de corrupção por parte do partido que apoia a Presidenta.

2015 foi em crescendo até ao “clímax” de 2016, no qual o regime parece querer transformar a sua natureza. De um Presidencialismo para um parlamentarismo sui generis, em que a perda de confiança no Congresso leva à queda do Governo da Presidenta. Para tanto invoca-se um, até há pouco tempo, quase esquecido crime de “pedalada fiscal”, mas sobretudo constrói-se um discurso na mídia e na política que tudo confunde e obnubila. A Presidenta caiu...

Perante esta situação anómala do regime constitucional e democrático, atrevo-me a deixar cinco ideias para debate e análise:
1)   Reequacionar o regime: de Presidencialismo para um parlamentarismo, talvez temperado por um Presidente Chefe de Estado eleito por sufrágio universal, que assegure a coesão do Estado e da Sociedade em situações de crise; mas um parlamentarismo, em que o Governo fica dependente da confiança política dos Partidos do Congresso. Não tendo o Brasil caminhado no sentido do bipartidarismo, antes multiplicando as forças eleitorais, com critérios nem sempre ideológicos, deverá permitir-se uma negociação entre vários partidos para formar uma maioria estável que suporte o Governo. O Presidente deve estar acima dessa conjuntura; não deve ser o chefe de Governo; antes ‘apenas’ o Chefe de Estado.
2)   Reformar os partidos políticos brasileiros, exigindo cartas de princípios de raiz ideológica e promovendo a sua coesão e previsibilidade. Tal passaria pela terceira reforma:
3)   Eleições por lista e não em concorrência aberta entre os candidatos a deputado do próprio partido. Tal iria fomentar maior lealdade e respeito às diretivas e opções dos órgãos partidários, e um maior alinhamento a projetos sociais e ideológicos e não a meros poderes pessoais.
4)   E com isso, iríamos à raiz do problema: a política brasileira é demasiado cara! Urge tornar o processo eleitoral muito mais barato, concentrando os esforços propagandísticos em partidos com programas mais claros e coerentes e não numa multiplicação de candidaturas que (quase) sempre conduzirão à corrupção, pois o político precisa de somas extraordinárias para ser eleito.
5)   Finalmente, visto de fora, parece-me que Brasília tem poder a mais, pelo que a implementação de um princípio da subsidiariedade nas relações Estados-União deveria ser reponderada, sem com isso afetar a necessária solidariedade económica e financeira entre as regiões mais desenvolvidas e as outras.

Quanto ao “golpe”...
Concordo que há uma manipulação da figura do “impeachment” para, no fundo, alcançar um resultado semelhante a uma “moção de censura parlamentar”.
É verdade que a atuação deste Governo, nestas primeiras semanas, é um verdadeiro ataque reacionário, contra várias conquistas sociais.
Todavia, devo relembrar que Michel Temer também foi eleito e que o PMDB teve milhões de votos.... E que o procedimento (formal) da Constituição parece estar sempre cumprido.

Assim, tal como eu dizia aos amigos da direita que não bastava deitar o PT abaixo para que o Brasil caminhasse no sentido da Ordem, digo aos camaradas da esquerda que não basta acenar com a figura do “golpe” e da revolta para que seja reativado o Progresso.

É preciso encarar, com coragem, a total insanidade que é o regime eleitoral e político brasileiro; é preciso dar mais poder aos partidos e responsabilizá-los pelas suas alianças e acordos.

A verdadeira regeneração vem de pequenos passos concretos e realizáveis. Não de uma ‘metanoia’ transformadora...

Aqui deixei 5 ideias para o debate coletivo desse país-Continente maravilhoso que é o Brasil!

Coimbra, 20 de junho de 2016