André Gonçalo Dias Pereira
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Portugal
Cinco propostas para um Brasil mais democrático,
mais justo e mais solidário!
Agosto de 2003: depois de
São Paulo rumei a Londrina, uma cidade onde encontrei pessoas maravilhosas e
simpáticas, mas onde estranhei o medo de deixar o automóvel na rua durante a
hora de almoço e registei a falta de esplanadas onde os jovens se concentrassem
ao ar livre. No Rio de Janeiro, senti medo, incríveis desigualdades sociais
e zonas da cidade muito desarranjadas.
Em 2004 conheci outra
região, onde me senti que a noção do Estado de Direito ainda estava em
afirmação e muita dinâmica social se operava por influências familiares antigas.
Tenho tido a fortuna de ao
longo destes 13 anos ter viajado pelo Brasil e fui descobrindo um país, de
norte a sul, onde o progresso e o desenvolvimento económico e social foram
pujantes e radiosos.
Clubes de vinho em São
Luís, restaurantes chiques em João Pessoa, uma academia sofisticada em vários
pontos do país, a criação de uma classe média vigorosa e consumidora, milhões e
milhões de pessoas saindo da pobreza... Todavia, uma certa desagregação nacional
manteve-se ou até se reforçou, as diferenças de classe, as diferenças
regionais, a ausência do sentido de um projeto comum, o afunilamento em
posições políticas muito extremadas e conflituais... até que chegou a recessão
económica, causada por uma economia muito dependente dos preços das matérias
primas e de uma certa saturação do consumo enquanto vetor do crescimento, tudo ‘toxicamente’
misturado com acusações gravíssimas de corrupção por parte do partido que apoia
a Presidenta.
2015 foi em crescendo até
ao “clímax” de 2016, no qual o regime parece querer transformar a sua natureza.
De um Presidencialismo para um parlamentarismo sui generis, em que a perda de confiança no Congresso leva à queda
do Governo da Presidenta. Para tanto
invoca-se um, até há pouco tempo, quase esquecido crime de “pedalada fiscal”,
mas sobretudo constrói-se um discurso na mídia
e na política que tudo confunde e obnubila. A Presidenta caiu...
Perante esta situação
anómala do regime constitucional e democrático, atrevo-me a deixar cinco ideias
para debate e análise:
1)
Reequacionar
o regime: de Presidencialismo para um parlamentarismo, talvez temperado por um
Presidente Chefe de Estado eleito por sufrágio universal, que assegure a coesão
do Estado e da Sociedade em situações de crise; mas um parlamentarismo, em que o
Governo fica dependente da confiança política dos Partidos do Congresso. Não
tendo o Brasil caminhado no sentido do bipartidarismo, antes multiplicando as
forças eleitorais, com critérios nem sempre ideológicos, deverá permitir-se uma
negociação entre vários partidos para formar uma maioria estável que suporte o
Governo. O Presidente deve estar acima dessa conjuntura; não deve ser o chefe
de Governo; antes ‘apenas’ o Chefe de Estado.
2)
Reformar os
partidos políticos brasileiros, exigindo cartas de princípios de raiz
ideológica e promovendo a sua coesão e previsibilidade. Tal passaria pela
terceira reforma:
3)
Eleições por
lista e não em concorrência aberta entre os candidatos a deputado do próprio
partido. Tal iria fomentar maior lealdade e respeito às diretivas e opções dos
órgãos partidários, e um maior alinhamento a projetos sociais e ideológicos e
não a meros poderes pessoais.
4)
E com isso,
iríamos à raiz do problema: a política brasileira é demasiado cara! Urge tornar
o processo eleitoral muito mais barato, concentrando os esforços
propagandísticos em partidos com programas mais claros e coerentes e não numa
multiplicação de candidaturas que (quase) sempre conduzirão à corrupção, pois o
político precisa de somas extraordinárias para ser eleito.
5)
Finalmente,
visto de fora, parece-me que Brasília tem poder a mais, pelo que a
implementação de um princípio da
subsidiariedade nas relações Estados-União deveria ser reponderada, sem com
isso afetar a necessária solidariedade económica e financeira entre as regiões
mais desenvolvidas e as outras.
Quanto ao “golpe”...
Concordo que há uma
manipulação da figura do “impeachment” para, no fundo, alcançar um resultado
semelhante a uma “moção de censura parlamentar”.
É verdade que a atuação
deste Governo, nestas primeiras semanas, é um verdadeiro ataque reacionário,
contra várias conquistas sociais.
Todavia, devo relembrar
que Michel Temer também foi eleito e que o PMDB teve milhões de votos.... E que
o procedimento (formal) da Constituição parece estar sempre cumprido.
Assim, tal como eu dizia
aos amigos da direita que não bastava deitar o PT abaixo para que o Brasil caminhasse
no sentido da Ordem, digo aos
camaradas da esquerda que não basta acenar com a figura do “golpe” e da revolta
para que seja reativado o Progresso.
É preciso encarar, com
coragem, a total insanidade que é o
regime eleitoral e político brasileiro; é preciso dar mais poder aos partidos e
responsabilizá-los pelas suas alianças e acordos.
A verdadeira regeneração vem
de pequenos passos concretos e realizáveis. Não de uma ‘metanoia’
transformadora...
Aqui deixei 5 ideias para
o debate coletivo desse país-Continente maravilhoso que é o Brasil!
Coimbra, 20 de junho de 2016