quarta-feira, janeiro 11, 2012

DEVERES DOS DOENTES

12.º CONGRESSO NACIONAL DE BIOÉTICA
Porto, 13 de Janeiro de 2012
André Gonçalo Dias Pereira
Centro de Direito Biomédico – Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
DEVERES DOS DOENTES
Partindo da noção de dever jurídico, em contraponto com a de ónus jurídico, analisaremos os tradicionais deveres dos pacientes. Se é correcto afirmar a existência do dever de pagar os honorários, já se levantam dúvidas acerca da qualificação jurídica do “dever” de revelar com verdade a história clínica e o “dever” de cumprir a prescrição.
Em segundo lugar, serão perspectivados os deveres apregoados pela Carta dos Direitos e Deveres do Doente: 1. O doente tem o dever de zelar pelo seu estado de saúde, por forma a garantir o seu bem-estar e o seu restabelecimento; 2. O doente tem o dever de fornecer aos profissionais de saúde todas as informações relevantes para a obtenção de um correcto diagnóstico e adequada terapêutica; 3. O doente tem o dever de respeitar os direitos dos outros doentes; 4. O doente tem o dever de colaborar com os profissionais de saúde, respeitando as indicações que lhe são recomendadas e, por si, livremente aceites; 5. O doente tem o dever de respeitar as regras de funcionamento dos serviços de saúde; 6. O doente tem o dever de utilizar os serviços de saúde de forma apropriada e de colaborar activamente na redução de gastos desnecessários. Esta Carta não tem valor vinculativo, mas constitui uma fonte normativa importante da relação jurídica médico-paciente. Será feito o cotejo do direito positivo e a análise circunstanciada da relevância de cada um dos deveres propugnados.
Serão ainda equacionados outros deveres dos pacientes, como o dever de participar em ensaios clínicos (como dimensão de justiça inter-geracional, propugnado por Evans); o dever de revelar a utilização de plantas medicinais (no âmbito do referido dever de colaboração); o dever de revelar ser portador de um Testamento de Paciente (instrumento da autodeterminação) e o dever de revelar algum evento adverso de que o doente se aperceba (o paciente como agente da segurança clínica).
Se a construção de um modelo humanístico de cuidados do doente-cidadão impõe o cumprimento de algumas condutas (positivas e negativas) por parte do paciente, não é menos verdade que a “narrativa” que se tem vindo a instalar pode conduzir no sentido de uma responsabilização do doente e da imposição de injustificados deveres àquele que, estando em situação de vulnerabilidade, mais deveria merecer cuidado e apoio.
Tal dinâmica merece ser denunciada como um processo de contra-reforma e de opressão, que pode vir a afectar o acesso justo ao sistema de saúde, sobretudo por parte das classes sócio-económicas mais desfavorecidas e que pode gerar discriminações que atentem contra o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa.