terça-feira, fevereiro 05, 2008

Equívocos na saúde

Muitas das apreciações críticas que tenho visto serem feitas à política da saúde deste Governo passam por afirmações como as seguintes:

“Há cada vez mais empreendimentos privados na área da saúde… estão a destruir o SNS.”

“O Governo (o ex-Ministro Correia de Campos) só fecha serviços… não abre nada de novo…”

“Há um desinvestimento na saúde…”

Vejamos…

Relativamente ao papel dos privados nos cuidados de saúde.

Portugal tem sido sempre, ao longo dos últimos 30 anos, um dos países da OCDE em que as famílias mais gastam em saúde. Não falo apenas dos impostos. Refiro-me aos pagamentos directos a prestadores de saúde (“out-of-pocket”).

Infelizmente o ideal do SNS “universal e gratuito” apenas se concretizou em parte.

É a maior conquista de Abril – que não pretendo aqui denegrir! – mas não se mascare a realidade: sempre foi muito expressiva a medicina privada e sobretudo para as classes mais desfavorecidas, sem influência social, com extraordinárias dificuldades de acesso aos serviços públicos…

Esquecer ou obnubilar isto é pura ingenuidade ou hipocrisia.

Em segundo lugar há um latente preconceito ideológico – contra “os privados” – que devemos ultrapassar.

Olhemos para a segurança social: área em que privados e sector social (IPSS, misericórdias e outras associações) com um apoio parcelar de dinheiros públicos desenvolvem um trabalho notável com muito mais eficiência e qualidade que o Estado. Atentemos no que se passa na primeira infância, no apoio domiciliário e nos lares de idosos.

Porque razão “diabolizar” os privados na área da saúde?

Falam que o crescimento da grande medicina privada (leia-se hospitais e clínicas com equipamento tecnológico com capacidade de rivalizar com o público) levará à “desnatação” da medicina pública, ficando esta semelhante a um mero “Medicaid” ou “Medicare” para os indigentes e pobrezinhos…

“Quod est probandum!”…. Isso é o que falta provar!

Vejam o exemplo do ensino superior nos anos 90… Depois de “polularem” Universidades privadas e de se terem constituído alguns grupos económicos de média dimensão, houve alguma “desnatação” do ensino superior público…?

O que aconteceu foi falta de regulação, de qualidade e de oportunidade do investimento. Deveríamos concentrar-nos mais nesses aspectos práticos do que em objecções fundadas em pré-conceitos ideológicos ou de qualquer outra natureza.

Importante é servir o cidadão, tratar bem o paciente, assegurar que não há discriminação, nem exclusão dos mais carenciados ou dos mais necessitados.

Garantir que o acesso aos cuidados de saúde seja realmente universal e equitativo!

Observemos o que se passa na Europa… Em muitos dos países predominam bons prestadores de saúde privados (Alemanha, Áustria, Holanda, França, Bélgica, etc.).

Alguém se atreverá a dizer que aí há desnatação dos hospitais públicos?

Ou que os carenciados não têm acesso – um bom acesso – aos cuidados de saúde?

Não se interprete estas reflexões como um ataque ao sistema de Beverigde (fundador do SNS inglês).

Longe de mim! Acho que foi uma opção inteligente do meu camarada António Arnaut, do Dr. Mário Mendes e de todo o PS de então!

E os seus resultados foram muito bons!

Apenas procuro chamar à atenção para a necessidade de mantermos mais espírito crítico e maior abertura aos ensinamentos da economia da saúde, para os problemas de crescente mercado europeu da saúde, onde Portugal se poderia e deveria afirmar!

Sim: Portugal tem um excelente clima e profissionais altamente qualificados. Seria louvável que privados, sector social e medicina pública se apetrechassem para competir no mercado europeu da saúde!

Quanto ao “desinvestimento e fecho de serviços…”

Não confundamos gestão, controlo de custos e racionalização da oferta, com “fecho de serviços”.

Temos hoje muitos mais portugueses com médico de família – o grande pilar de um serviço de saúde orientado para o cidadão. A grande “arma” dos países desenvolvidos como a Holanda, a Dinamarca e outros. O médico de família, com o qual o idoso pode contactar telefonicamente a meio da noite. Que visita o doente crónico em sua casa. Que faz educação para a saúde e medicina preventiva.

É isso que devemos exigir!

Não apenas umas salas mal equipadas onde um solitário médico reencaminha os casos realmente graves para os Hospitais centrais.

Temos hoje mais vacinas no plano nacional de vacinação, mais serviços de saúde, como a medicina dentária, a medicina pré-natal e a procriação medicamente assistida. Também no domínio dos cuidados paliativos.

Está a ser feito um investimento colossal na área dos cuidados continuados.

Não nos deixemos enganar pela “espuma dos dias”. Pelo simples bota abaixo que satisfaz os interesses eleitorais de alguns e, sobretudo, ….

Sobretudo, abre as portas à direita reaccionária que quer “desmantelar o Estado”, descredibilizar o SNS e toda a intervenção estatal.

Não reduzamos a nossa análise a um ramo ou a um galho. Temos que cuidar da nossa árvore desde a raiz. Sob pena de surgirem as forças que a arrancam de vez.