Após 20 anos de tentativas, o legislador conseguiu finalmente publicar um diploma que regula a Procriação Medicamente Assistida.
Uma palavra de aplauso impõe-se, em primeiro lugar, para todos os médicos e outros profissionais de saúde que, na ausência de lei, conseguiram “autoregular-se” num domínio tão sensível, não tendo sido conhecidas graves infracções às regras éticas e deontológicas durante estas duas década de prática.
O Partido Socialista fez o que se lhe impunha: aproveitou a maioria absoluta de que dispõe na AR para, em diálogo e cooperação com outras forças políticas e movimentos sociais, edificar um documento equilibrado e em consonância com os valores dominantes da comunidade nacional. Maria de Belém Roseira é a incansável deputada a quem devemos a determinação e empenho na concretização deste diploma legislativo.
Há, naturalmente, muitos aspectos críticos e sobre os quais poderá haver as maiores divergências de opinião: desde o anonimato do dador, à inseminação post-mortem, passando pela muito sensível possibilidade de investigação em embriões, até a uma formulação legal algo dúbia que parece abrir as portas à clonagem para fins de investigação.
Por outro lado, a prescrição de um regime proibicionista da maternidade de substituição e a limitação das técnicas de PMA a casais heterossexuais são medidas de que podemos duvidar no plano ético-jurídico.
Muita tinta irá ainda correr e possivelmente o Tribunal Constitucional será chamado a pronunciar-se sobre algumas destas questões durante a vigência deste diploma.
O saldo final parece-me positivo. Não há posições extremas em nenhum campo e remete as decisões técnicas para a deontologia profissional e para os “estado da arte” em medicina reprodutiva.
Por outro lado, a lei demonstra abertura ao futuro e a instituição de um Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida com competências alargadas constitui uma solução de aplaudir numa área em que soluções gerais e abstractas não se coadunam a todos os casos concretos, sendo preferível deixar alguma margem de apreciação ao tal Conselho para autorizar ou não determinadas actividades.
Por fim, o Presidente da República mostrou, desta vez, que tem independência face aos seus Conselheiros e que usou bem o seu apurado faro político fazendo crer que pretende ser o Presidente de todos os portugueses e não o líder de um determinado quadrante ideológico.