Apoiei com grande entusiasmo o Dr. Mário Soares na sua candidatura à Presidência da República, tendo feito parte da sua Comissão Nacional de Honra. É algo de que guardarei memória e que muito me orgulha!
Respeito o voto democrático e assumo que fomos claramente derrotados. Derrotados porque não conseguimos fazer passar a mensagem: Soares tem saúde para ser Presidente; Soares tem os conhecimentos, a cultura e a experiência política que fariam dele um excelente Presidente. Ele saberia dialogar com os sindicatos e o patronato, com os Partidos de esquerda e de direita e criar um clima de concórdia construtiva nesta fase difícil de readaptação económica e de mudança estrutural da sociedade. E, acima de tudo, ser a voz das minorias, dos mais fracos, de quem não tem lobbies nem comunicação social.
Não é tempo de ser teimoso. É preciso reconhecer que a mensagem não passou. E talvez nós todos (os mais de 14% de votantes) estivéssemos errados. Talvez. Não pelo homem, mas pelas circunstâncias, parafraseando Ortega y Gasset.
Nas últimas tivemos muitas notícias boas.
Portugal está a ter capacidade de atracção de grandes investimentos estrangeiros e nacionais. Já não se discute esterilmente a continuidade de um aeroporto terceiro-mundista, nem o atraso irreversível nas ligações ferroviárias à Europa.
Durante estes três meses de campanha, o Governo foi dando pequenos passos decisivos para o nosso futuro colectivo: reestruturou o sector energético, a máquina fiscal funciona melhor, o sistema de pensões e reformas é mais equitativo, visto que a geração mais nova – a que pertenço – ficou um pouco menos onerada com os encargos que algumas regalias de outras gerações significavam. E, sobretudo, a pouco e pouco, sente-se que se começa a produzir mais e melhor, quer na produção tradicional, quer na nova economia.
Desejo ao novo Presidente eleito, Prof. Cavaco Silva, os maiores sucessos pessoais e políticos no exercício da sua nobre missão. Confio que os 50,59% lhe vão dar a energia necessária para refrear o “cavaquismo” e impor uma postura de verdadeira cooperação institucional entre os diferentes órgãos de soberania.
E que, enquanto Presidente, faça a pedagogia da democracia e dos direitos fundamentais, do reforço da qualidade dos Partidos e da vida cívica nacional.
Quanto a Manuel Alegre, lamento a sua derrota também. Mais umas décimas e estaria do lado dele a esta hora.
É tempo agora de canalizar toda a energia do mais de milhão de votos para uma renovação da esquerda através de uma (re)dinamização do Partido Socialista. Que pena tantos e tão bons apoiantes nunca quererem aparecer noutras ocasiões! Todos somos poucos para fazer uma esquerda socialista melhor!
terça-feira, janeiro 24, 2006
quinta-feira, janeiro 19, 2006
As palavras do Prof. Doutor Joaquim Gomes Canotilho
1. A maldade camuflada: unicidade comunicativa
Se outro mérito não tivesse a campanha presidencial de Mário Soares – e como demonstraremos tem muitos, embora alguns teimem em ver nela apenas maldades – um deles salta à vista dos observadores independentes: o de fazer eco de indignado espanto perante a parcialidade dos meios de comunicação. O exemplo mais escandaloso está bem perto de nós. No dia de abertura da campanha, quando todos esperávamos assistir pela televisão a um momento robusto, desinibido e plural do desenvolvimento da vontade popular, nada mais conseguirmos do que ver, na hora nobre das oito, o mesmo rosto, os mesmos dizeres, os mesmos símbolos, em todos os canais. É claro que os donos públicos e privados das estações emissoras chamam a isto liberdade de programação televisiva.
Nós registaremos o vício congénito e daremos um nome ao fenómeno: unicidade comunicativa. Não se trata, como é óbvio, de censurar a comunicação livre nem o trabalho árduo destas jornalistas e destes jornalistas que acompanham os candidatos pelos caminhos de Portugal. Procura-se, sim, alertar para a viciação das regras do jogo eleitoral: a liberdade e igualdade de todos os candidatos a Presidente.
2. As propostas dos candidatos
2.1. Os antipolíticos e os antipartidos
Se a livre e diversa expressão de ideias e a pluralidade de propostas dos candidatos se defronta com o manto diáfano da escolha – designação antecipada de um candidato – parece-nos avisado, aqui e agora, fazer perante vós algumas suspensões reflexivas à guisa de balanço da pré-campanha e da primeira de campanha.
Desde a primeira hora, o candidato Mário Soares tornou bem claro que qualquer discussão sobre o Estado, a República e a Nação – e os candidatos a Presidente da República podem e devem falar sobre estes temas cheios de “política – deveriam partir de um pressuposto incontornável – evitar a lenga-lenga do “desencanto”, da “des-esperança”, do nihilismo. Isto significa que, hoje como ontem, quem afivela de cara aberta ou com máscaras de disfarce, a profissão de político deve contribuir para a reabilitação dos que cuidam, nem sempre bem aceitemos da coisa pública e da liberdade igual para todos os portugueses. Sabemos todos que o “estudo de alma” de grande número de concidadãos é o inverso do que se propõe: desconfiança perante os políticos, indiferença em relação à política, desconhecimento dos grandes momentos políticos. Devemos reabilitar o político, a política e os políticos. Na nossa história recente, só por ironia ou por suspeito esquecimento, é que não fixamos as datas políticas: o 25 de Abril, à adesão à Comunidade Europeia, o aprofundamento da integração europeia com a criação do Euro, tudo são momentos de manifestações de vontade política para vencer as crises. Mário Soares esteve em todos os momentos. Mais do que isso: teve a coragem de protagonizar as mudanças e as rupturas. Porquê então explorar o filão obscurantista da maldade nunca expiada dos políticos, do integracionismo anti-democrático dos antipartidos, da missão salvífica homens providenciais?
3. Os poderes do Presidente
Os debates da pré-campanha e da campanha parecem revelar quase todos os candidatos – excepto Mário Soares – querem um Presidente da República mais activo, mais interventivo, mais presidencialista, mais governativo. O modo como o fazem – deve reconhecer-se – é diferente de uns para os outros.
Uns entendem que o Presidente da República tem pecado por defeito na salvaguarda dos princípios da igualdade, da solidariedade e dos direitos dos trabalhadores. Exigem de um Presidente da República aquilo que ele não lhes pode dar por dar respeito à Constituição: uma agenda de governo presidencial socialmente conformadora. Devemos ter serenidade bastante para entender que o Presidente da República não se pode nem deve transformar em “força de bloqueio” das propostas dos governos legitimamente eleitos. Outros ensaiam uma retórica poética errática, conservadoramente patriótica e perigosamente antipartidária para dar e nervo à criação artística de um cidadão-presidente. Outros convocam um cavaqueio sofridamente postiço da desesperança para inocular a necessidade de restauração de Portugal. A nossa Pátria teria tido uma época de ouro – os dez anos de governo do próprio candidato – e, a partir daí, entrou na decadência. Se, outrora, eles pretendiam um Presidente, um Governo e uma maioria para alaranjar o país, hoje, à míngua de governo e de maioria, depositam as esperanças num Presidente que governe, que imponha um caderno de encargos ao Primeiro-Ministro, que marca a cadência, o tom e os dom das políticas públicas, que vete e ameace, numa palavra, que prepare a concentração nunca permitida pelo povo português de um presidente, uma maioria e um governo à direita. Uma nebulosa de “compromisso Portugal”, de “Portugal velho”, de neo-liberalismo e de estatalismo-corporativista sugere um modelo de presidente quase presidencial ou procura reinventar o semi-presidencialismo de governos presidenciais. É claro que se procura sempre colocar Portugal na marcha do progresso. Mas que Portugal é esse que teria proporcionado a todos os portugueses a abundância, quase o paraíso na terra? O Portugal sem rendimento mínimo de inserção em que o desemprego colocava no limiar da pobreza famílias inteiras – do avô ao neto – porque desaparece a fábrica, o estaleiro, a empresa onde tinham trabalho? O Portugal sem a agenda de Lisboa a colocar a inovação e o conhecimento como estratégia indispensável ao desenvolvimento sustentado? O Portugal da compra de reformas e de reformas antecipadas que numa cegueira de prognose económica coloca agora a maioria dos portugueses a terem de trabalhar mais anos? O Portugal das forças de bloqueio que imaginava conspirações contra o Governo do Tribunal de Contas, do Tribunal Constitucional e do próprio Presidente da República?
Mas mesmo que o Candidato derrotado há dez anos tenha hoje outra visão dos portugueses, continuamos perante o grande enigma desta campanha: como é que um homem, sozinho, com as competências limitadas que a Constituição lhe confere consegue fazer o milagre de obter investimentos directos, garantir o futuro dos bisnetos, colocar os portugueses no primeiro lugar do conhecimento, elevar a competitividade das nossas empresas, criar, no fundo, a ilusão de que somos candidatos ao título de campeões do mundo?
Perante este panorama, compreende-se que o Doutor Mário Soares tenha deixado a sua tranquilidade, a sua reformada qualidade de Pai da Pátria. Que nos propõe ele?
4. Presidente Constitucional
De uma forma ou de outra, todos os candidatos a presidente, excepto Mário Soares, têm uma visão distorcida e maximalista dos poderes e competências do Presidente da República. É certo que os motivos que os levam a defender uma intervenção alargada não são os mesmos. De um lado, está o propósito confessado ou inconfessado de um projecto hegemónico da direita para os próximos vinte anos. Este projecto oculta-se em fórmulas pseudo-patrióticas (“Portugal pode vencer”, “Portugal não pode resignar-se”). Do outro lado, estão leituras interessadas em elevar o Presidente da República a alavanca de todo o sistema constitucional: para vetar as leis do trabalho, para vigiar o serviço nacional de saúde, para impedir a deslocalização de empresas, para perseguir os responsáveis de fraudes fiscais.
De um lado estão os que insistem no bloqueio da Constituição ao desenvolvimento para insinuarem a bondade das constituições que não proíbem despedimentos sem justa causa ou por motivos ideológicos, que não garantem um sistema público e republicano de ensino, que não consagram serviço nacional de saúde, que são indiferentes ao sistema público de segurança social, que se abrem ao não pagamento de impostos, aos “off-shores”, aos paraísos fiscais. Numa palavra, os que querem crescimento sem socialidade e solidariedade. Do outro, encontram-se os que, embora empenhados no desenvolvimento do Estado-Social, pretendem conquistar posições no aparelho de Estado para prosseguirem a sua legítima luta político-partidária a pretexto de eleições presidencais.
No meio de toda esta agitação ergue-se a figura do nosso candidato. Que foi e pretende voltar a ser apenas e sobretudo o Presidente da República com os poderes e competências previstos na Constituição da República. Que foi e pretende voltar a ser o Presidente de todos os portugueses, desde o urbano ao rural, do trabalhador ao empresário, do sindicalista ao dirigente de associação industrial ou comercial, dos jovens à terceira idade, dos nacionais aos estrangeiros que procuram o nosso país para dignificar a existência. Mas não só. Ele sabe por experiência própria que o povo português aprecia os políticos que tanto se sentem à vontade no meio humilde e laborioso das peixeiras como no mundo dos intelectuais e da cultura. Mais ainda: num país ainda influenciado pelos filhos e netos do “orgulhosamente só”, ele sabe que Portugal isolado é um país desarmado, não havendo outra estratégia possível que não seja a da Europa e do Mundo.
Mário Soares sabe mais ainda. Ele não é apenas o presente do passado. É o presente do futuro.
Ele sabe que exercer o cargo de Presidente da República nos começos de um novo milénio não significa copiar a papel químico os seus dois notáveis mandatos anteriores. O texto constitucional é o mesmo, mas o mundo mudou profundamente. É neste contexto de mudança que Mário Soares revela a sua excepcional clarividência como político. Mais do que todos os outros e de qualquer um de nós dispõe de intuição e de coragem para compreender o rumo das coisas. Sabe ver para onde o mundo caminha. Ele será o primeiro:
a) a propugnar pelos direitos das gerações futuras, insistindo nos termos da agenda de Lisboa – inovação, conhecimento e investigação – que recorde-se foi posta no mapa da Europa devido à inteligência de António Guterres em substituição do crescimento do betão.
Em termos mais simples para todos compreenderem: os nossos filhos, netos e bisnetos não encontrarão emprego em fábricas de calçado, em universidades rotineiras e burocráticas, em hospitais falhos de excelência e de humanidade, mas em muitos Critical Softwares, em muitos laboratórios de excelência, em muitas unidades hospitalares pautadas pela boa governação;
b) a defender o aprofundamento da União Europeia – e se necessário tornar ele próprio iniciativas nesse sentido – porque só quem não quer ver é que não compreende que o velho continente é o novo continente da paz, da tolerância, do diálogo e do desenvolvimento;
c) insistir no reforço da plataforma de encontro de todos os povos e de todos os Estados e de todas as comunidades onde Portugal esteve ou está: das Comunidades dos Países de Língua Portuguesa e das Comunidades Portuguesas;
d) lutar pela igualdade real entre os portugueses, estando atento ao crescente desequilíbrio entre pobres e ricos, entre urbanos e rurais, entre gentes do interior e gentes do litoral, entre pessoas de sucesso e excluídos da sorte, entre nacionais e estrangeiros, promovendo os ideais da solidariedade e da inclusividade;
e) garantir as condições políticas e sociais, de estabilidade e diálogo, para atrair investimentos directos estrangeiros e apoiar governo e empresários na dinamização do tecido empresarial, no investimento e formação profissional, no incremento das políticas de emprego;
f) assumir decisivo papel no estímulo da modernização do Estado, apelando para a indispensabilidade de os governantes prestarem contas aos portugueses, assumirem as suas responsabilidades e serem avaliados pelo seu desempenho;
g) combater as doenças corrosivas da democracia: o clientelismo, a corrupção, o negocialismo de Estado.
Se outro mérito não tivesse a campanha presidencial de Mário Soares – e como demonstraremos tem muitos, embora alguns teimem em ver nela apenas maldades – um deles salta à vista dos observadores independentes: o de fazer eco de indignado espanto perante a parcialidade dos meios de comunicação. O exemplo mais escandaloso está bem perto de nós. No dia de abertura da campanha, quando todos esperávamos assistir pela televisão a um momento robusto, desinibido e plural do desenvolvimento da vontade popular, nada mais conseguirmos do que ver, na hora nobre das oito, o mesmo rosto, os mesmos dizeres, os mesmos símbolos, em todos os canais. É claro que os donos públicos e privados das estações emissoras chamam a isto liberdade de programação televisiva.
Nós registaremos o vício congénito e daremos um nome ao fenómeno: unicidade comunicativa. Não se trata, como é óbvio, de censurar a comunicação livre nem o trabalho árduo destas jornalistas e destes jornalistas que acompanham os candidatos pelos caminhos de Portugal. Procura-se, sim, alertar para a viciação das regras do jogo eleitoral: a liberdade e igualdade de todos os candidatos a Presidente.
2. As propostas dos candidatos
2.1. Os antipolíticos e os antipartidos
Se a livre e diversa expressão de ideias e a pluralidade de propostas dos candidatos se defronta com o manto diáfano da escolha – designação antecipada de um candidato – parece-nos avisado, aqui e agora, fazer perante vós algumas suspensões reflexivas à guisa de balanço da pré-campanha e da primeira de campanha.
Desde a primeira hora, o candidato Mário Soares tornou bem claro que qualquer discussão sobre o Estado, a República e a Nação – e os candidatos a Presidente da República podem e devem falar sobre estes temas cheios de “política – deveriam partir de um pressuposto incontornável – evitar a lenga-lenga do “desencanto”, da “des-esperança”, do nihilismo. Isto significa que, hoje como ontem, quem afivela de cara aberta ou com máscaras de disfarce, a profissão de político deve contribuir para a reabilitação dos que cuidam, nem sempre bem aceitemos da coisa pública e da liberdade igual para todos os portugueses. Sabemos todos que o “estudo de alma” de grande número de concidadãos é o inverso do que se propõe: desconfiança perante os políticos, indiferença em relação à política, desconhecimento dos grandes momentos políticos. Devemos reabilitar o político, a política e os políticos. Na nossa história recente, só por ironia ou por suspeito esquecimento, é que não fixamos as datas políticas: o 25 de Abril, à adesão à Comunidade Europeia, o aprofundamento da integração europeia com a criação do Euro, tudo são momentos de manifestações de vontade política para vencer as crises. Mário Soares esteve em todos os momentos. Mais do que isso: teve a coragem de protagonizar as mudanças e as rupturas. Porquê então explorar o filão obscurantista da maldade nunca expiada dos políticos, do integracionismo anti-democrático dos antipartidos, da missão salvífica homens providenciais?
3. Os poderes do Presidente
Os debates da pré-campanha e da campanha parecem revelar quase todos os candidatos – excepto Mário Soares – querem um Presidente da República mais activo, mais interventivo, mais presidencialista, mais governativo. O modo como o fazem – deve reconhecer-se – é diferente de uns para os outros.
Uns entendem que o Presidente da República tem pecado por defeito na salvaguarda dos princípios da igualdade, da solidariedade e dos direitos dos trabalhadores. Exigem de um Presidente da República aquilo que ele não lhes pode dar por dar respeito à Constituição: uma agenda de governo presidencial socialmente conformadora. Devemos ter serenidade bastante para entender que o Presidente da República não se pode nem deve transformar em “força de bloqueio” das propostas dos governos legitimamente eleitos. Outros ensaiam uma retórica poética errática, conservadoramente patriótica e perigosamente antipartidária para dar e nervo à criação artística de um cidadão-presidente. Outros convocam um cavaqueio sofridamente postiço da desesperança para inocular a necessidade de restauração de Portugal. A nossa Pátria teria tido uma época de ouro – os dez anos de governo do próprio candidato – e, a partir daí, entrou na decadência. Se, outrora, eles pretendiam um Presidente, um Governo e uma maioria para alaranjar o país, hoje, à míngua de governo e de maioria, depositam as esperanças num Presidente que governe, que imponha um caderno de encargos ao Primeiro-Ministro, que marca a cadência, o tom e os dom das políticas públicas, que vete e ameace, numa palavra, que prepare a concentração nunca permitida pelo povo português de um presidente, uma maioria e um governo à direita. Uma nebulosa de “compromisso Portugal”, de “Portugal velho”, de neo-liberalismo e de estatalismo-corporativista sugere um modelo de presidente quase presidencial ou procura reinventar o semi-presidencialismo de governos presidenciais. É claro que se procura sempre colocar Portugal na marcha do progresso. Mas que Portugal é esse que teria proporcionado a todos os portugueses a abundância, quase o paraíso na terra? O Portugal sem rendimento mínimo de inserção em que o desemprego colocava no limiar da pobreza famílias inteiras – do avô ao neto – porque desaparece a fábrica, o estaleiro, a empresa onde tinham trabalho? O Portugal sem a agenda de Lisboa a colocar a inovação e o conhecimento como estratégia indispensável ao desenvolvimento sustentado? O Portugal da compra de reformas e de reformas antecipadas que numa cegueira de prognose económica coloca agora a maioria dos portugueses a terem de trabalhar mais anos? O Portugal das forças de bloqueio que imaginava conspirações contra o Governo do Tribunal de Contas, do Tribunal Constitucional e do próprio Presidente da República?
Mas mesmo que o Candidato derrotado há dez anos tenha hoje outra visão dos portugueses, continuamos perante o grande enigma desta campanha: como é que um homem, sozinho, com as competências limitadas que a Constituição lhe confere consegue fazer o milagre de obter investimentos directos, garantir o futuro dos bisnetos, colocar os portugueses no primeiro lugar do conhecimento, elevar a competitividade das nossas empresas, criar, no fundo, a ilusão de que somos candidatos ao título de campeões do mundo?
Perante este panorama, compreende-se que o Doutor Mário Soares tenha deixado a sua tranquilidade, a sua reformada qualidade de Pai da Pátria. Que nos propõe ele?
4. Presidente Constitucional
De uma forma ou de outra, todos os candidatos a presidente, excepto Mário Soares, têm uma visão distorcida e maximalista dos poderes e competências do Presidente da República. É certo que os motivos que os levam a defender uma intervenção alargada não são os mesmos. De um lado, está o propósito confessado ou inconfessado de um projecto hegemónico da direita para os próximos vinte anos. Este projecto oculta-se em fórmulas pseudo-patrióticas (“Portugal pode vencer”, “Portugal não pode resignar-se”). Do outro lado, estão leituras interessadas em elevar o Presidente da República a alavanca de todo o sistema constitucional: para vetar as leis do trabalho, para vigiar o serviço nacional de saúde, para impedir a deslocalização de empresas, para perseguir os responsáveis de fraudes fiscais.
De um lado estão os que insistem no bloqueio da Constituição ao desenvolvimento para insinuarem a bondade das constituições que não proíbem despedimentos sem justa causa ou por motivos ideológicos, que não garantem um sistema público e republicano de ensino, que não consagram serviço nacional de saúde, que são indiferentes ao sistema público de segurança social, que se abrem ao não pagamento de impostos, aos “off-shores”, aos paraísos fiscais. Numa palavra, os que querem crescimento sem socialidade e solidariedade. Do outro, encontram-se os que, embora empenhados no desenvolvimento do Estado-Social, pretendem conquistar posições no aparelho de Estado para prosseguirem a sua legítima luta político-partidária a pretexto de eleições presidencais.
No meio de toda esta agitação ergue-se a figura do nosso candidato. Que foi e pretende voltar a ser apenas e sobretudo o Presidente da República com os poderes e competências previstos na Constituição da República. Que foi e pretende voltar a ser o Presidente de todos os portugueses, desde o urbano ao rural, do trabalhador ao empresário, do sindicalista ao dirigente de associação industrial ou comercial, dos jovens à terceira idade, dos nacionais aos estrangeiros que procuram o nosso país para dignificar a existência. Mas não só. Ele sabe por experiência própria que o povo português aprecia os políticos que tanto se sentem à vontade no meio humilde e laborioso das peixeiras como no mundo dos intelectuais e da cultura. Mais ainda: num país ainda influenciado pelos filhos e netos do “orgulhosamente só”, ele sabe que Portugal isolado é um país desarmado, não havendo outra estratégia possível que não seja a da Europa e do Mundo.
Mário Soares sabe mais ainda. Ele não é apenas o presente do passado. É o presente do futuro.
Ele sabe que exercer o cargo de Presidente da República nos começos de um novo milénio não significa copiar a papel químico os seus dois notáveis mandatos anteriores. O texto constitucional é o mesmo, mas o mundo mudou profundamente. É neste contexto de mudança que Mário Soares revela a sua excepcional clarividência como político. Mais do que todos os outros e de qualquer um de nós dispõe de intuição e de coragem para compreender o rumo das coisas. Sabe ver para onde o mundo caminha. Ele será o primeiro:
a) a propugnar pelos direitos das gerações futuras, insistindo nos termos da agenda de Lisboa – inovação, conhecimento e investigação – que recorde-se foi posta no mapa da Europa devido à inteligência de António Guterres em substituição do crescimento do betão.
Em termos mais simples para todos compreenderem: os nossos filhos, netos e bisnetos não encontrarão emprego em fábricas de calçado, em universidades rotineiras e burocráticas, em hospitais falhos de excelência e de humanidade, mas em muitos Critical Softwares, em muitos laboratórios de excelência, em muitas unidades hospitalares pautadas pela boa governação;
b) a defender o aprofundamento da União Europeia – e se necessário tornar ele próprio iniciativas nesse sentido – porque só quem não quer ver é que não compreende que o velho continente é o novo continente da paz, da tolerância, do diálogo e do desenvolvimento;
c) insistir no reforço da plataforma de encontro de todos os povos e de todos os Estados e de todas as comunidades onde Portugal esteve ou está: das Comunidades dos Países de Língua Portuguesa e das Comunidades Portuguesas;
d) lutar pela igualdade real entre os portugueses, estando atento ao crescente desequilíbrio entre pobres e ricos, entre urbanos e rurais, entre gentes do interior e gentes do litoral, entre pessoas de sucesso e excluídos da sorte, entre nacionais e estrangeiros, promovendo os ideais da solidariedade e da inclusividade;
e) garantir as condições políticas e sociais, de estabilidade e diálogo, para atrair investimentos directos estrangeiros e apoiar governo e empresários na dinamização do tecido empresarial, no investimento e formação profissional, no incremento das políticas de emprego;
f) assumir decisivo papel no estímulo da modernização do Estado, apelando para a indispensabilidade de os governantes prestarem contas aos portugueses, assumirem as suas responsabilidades e serem avaliados pelo seu desempenho;
g) combater as doenças corrosivas da democracia: o clientelismo, a corrupção, o negocialismo de Estado.
segunda-feira, janeiro 16, 2006
Esmagador
Esmagador
“1. Que pisa, comprime fortemente; que esmaga. 2. Que sobrecarrega com intensidade. 3. Que oprime, abate, aflige. 4. Que convence em absoluto; que anula as possíveis dúvidas que possam subsistir. 5. Que arrasa, domina, vence.” (in Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea – Academia das Ciências de Lisboa).
Cavaco Silva tem utilizado este adjectivo sempre que se depara com grandes manifestações de apoiantes: “Esmagador!”
A palavra é polissémica.
Qual dos significados estará na mente do candidato? O referido em 1? Em 2? Em 3? Em 4? Ou em 5?
Os inveterados cavaquistas apressar-se-ão a jurar que se trata de uma das duas últimas hipóteses.
Mas o grilo da dúvida metódica sopra aos nossos ouvidos…
O que pensaria Cavaco com os seus botões quando mandava carregar sobre os Estudantes?
“Deus me perdoe, mas temos que esmagar estes estudantes…!”
Ou os trabalhadores?
“Deus me perdoe, mas temos que esmagar estes trabalhadores…!”
Ou os próprios polícias?
“Deus me perdoe, mas temos que esmagar estes … polícias…!”
Ou o CDS?
“Deus me perdoe, mas temos que esmagar este “outro Partido”…!”
Claro que a redenção, virtude inefável do crente, lhe pode chegar da transcendência.
O próprio povo, que maioritariamente não lhe perdoou em 1996, parece estar a ser bem conduzido pelo manto obscuro de nevoeiro que se abate sobre o país e tudo esquecer em 2006.
Mas, afinal, quem quer Cavaco esmagar agora?
“1. Que pisa, comprime fortemente; que esmaga. 2. Que sobrecarrega com intensidade. 3. Que oprime, abate, aflige. 4. Que convence em absoluto; que anula as possíveis dúvidas que possam subsistir. 5. Que arrasa, domina, vence.” (in Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea – Academia das Ciências de Lisboa).
Cavaco Silva tem utilizado este adjectivo sempre que se depara com grandes manifestações de apoiantes: “Esmagador!”
A palavra é polissémica.
Qual dos significados estará na mente do candidato? O referido em 1? Em 2? Em 3? Em 4? Ou em 5?
Os inveterados cavaquistas apressar-se-ão a jurar que se trata de uma das duas últimas hipóteses.
Mas o grilo da dúvida metódica sopra aos nossos ouvidos…
O que pensaria Cavaco com os seus botões quando mandava carregar sobre os Estudantes?
“Deus me perdoe, mas temos que esmagar estes estudantes…!”
Ou os trabalhadores?
“Deus me perdoe, mas temos que esmagar estes trabalhadores…!”
Ou os próprios polícias?
“Deus me perdoe, mas temos que esmagar estes … polícias…!”
Ou o CDS?
“Deus me perdoe, mas temos que esmagar este “outro Partido”…!”
Claro que a redenção, virtude inefável do crente, lhe pode chegar da transcendência.
O próprio povo, que maioritariamente não lhe perdoou em 1996, parece estar a ser bem conduzido pelo manto obscuro de nevoeiro que se abate sobre o país e tudo esquecer em 2006.
Mas, afinal, quem quer Cavaco esmagar agora?
sábado, janeiro 07, 2006
VIH/SIDA e Prisões
Portugal tem a maior taxa de infecção VIH/SIDA da União Europeia. E embora ela venha aumentando sobretudo na população heterossexual, a sua propagação nas prisões é ainda muito preocupante.
Medidas como as que estão a ser debatidas no Parlamento, como a troca de seringas ou as salas de injecção assistida são medidas de saúde pública.
Medidas de redução dos danos.
Medidas contra a hipocrisia. Sim, assumo: essa é uma das marcas distintivas entre a esquerda e a direita. Nós, à esquerda, não nos prendemos a moralismos. O valor supremo é a dignidade da pessoa humana e o direito à vida e a consequente obrigação que o Estado tem de repor em liberdade aqueles cidadãos em condições de saúde.
Medidas como as que estão a ser debatidas no Parlamento, como a troca de seringas ou as salas de injecção assistida são medidas de saúde pública.
Medidas de redução dos danos.
Medidas contra a hipocrisia. Sim, assumo: essa é uma das marcas distintivas entre a esquerda e a direita. Nós, à esquerda, não nos prendemos a moralismos. O valor supremo é a dignidade da pessoa humana e o direito à vida e a consequente obrigação que o Estado tem de repor em liberdade aqueles cidadãos em condições de saúde.
Salas de injecção assistida nas Cadeias?
Sim. E com urgência!
O Estado português tem permitido e favorecido o homicídio lento de muitos dos nossos concidadãos que se encontram a cumprir uma pena privativa da liberdade. SIDA, hepatite e outras doenças transmissíveis propagam-se nas prisões portuguesas, devido ao alto índice de toxicodependência e sexualidade não protegida nas prisões.
Não podemos deixar passar esta oportunidade.
Está nas mãos dos nossos deputados acabarem com esta hipocrisia, com estes silêncios, com estas mortes.
Apelo, pois, aos deputados do Partido Socialista para, em sede de especialidade, não perderem esta oportunidade, perante o Projecto hoje apresentado pelos deputados do BE e dos Verdes.
E que o façam depressa, antes que Cavaco Silva ganhe as eleições – o que acredito não acontecerá – e comece a vetar este tipo de legislação progressista.
O Estado português tem permitido e favorecido o homicídio lento de muitos dos nossos concidadãos que se encontram a cumprir uma pena privativa da liberdade. SIDA, hepatite e outras doenças transmissíveis propagam-se nas prisões portuguesas, devido ao alto índice de toxicodependência e sexualidade não protegida nas prisões.
Não podemos deixar passar esta oportunidade.
Está nas mãos dos nossos deputados acabarem com esta hipocrisia, com estes silêncios, com estas mortes.
Apelo, pois, aos deputados do Partido Socialista para, em sede de especialidade, não perderem esta oportunidade, perante o Projecto hoje apresentado pelos deputados do BE e dos Verdes.
E que o façam depressa, antes que Cavaco Silva ganhe as eleições – o que acredito não acontecerá – e comece a vetar este tipo de legislação progressista.
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