Debater, reflectir, pensar
A esquerda republicana e socialista, e o PS em especial, não podem desperdiçar este período de interregno de actos eleitorais para se repensarem a si próprios.
Os Partidos Socialistas neste período do pós-“guerra fria” e da crise do Estado Social vivem indubitavelmente uma crise de identidade.
Acenar com a miragem do Estado Providência quando somos uma das sociedades mais envelhecidas do mundo e sem uma dinâmica económica compatível parece apenas uma miragem.
Apregoar as virtudes do “Capital em mãos públicas” está em desuso e parece blindado pelas leis de Bruxelas, dominadas pelo neo-liberalismo e pelo pensamento único.
Assumir-se como arauto das grandes liberdades e direitos cívicos e políticos, sendo ainda um elemento que faz a diferença, já não é nosso monopólio, visto que os Partidos Liberais (como os há verdadeiramente na Alemanha, na Holanda, no Reino Unido e nos Países Nórdicos) reclamam também esse espaço.
O que resta então do socialismo nos Partidos de esquerda “moderados”?
Rui Namorado lança pistas com dimensões procedimentais e substantivas extremamente valiosas.
Seria bom que todos reflectíssemos sobre as suas propostas. Sem preconceitos, sem maniqueísmos.
Simplificando as suas proposições (com os riscos que sempre correm as descomplexificações), apontaria as seguintes três ideias base:
1) Realização de “Primárias”, que permitirão a abertura (real abertura) ao eleitorado de esquerda;
2) Ética republicana de serviço público no exercício dos cargos de dirigentes (a nível local, distrital e nacional) do Partido, a implicar:
- a declaração (pública) de rendimentos e interesses
- e a realização de campanhas internas em igualdade de oportunidades (o que implica, por exemplo, o financiamento exclusivamente partidário das pugnas eleitorais e a obrigatoriedade de realização de debates entre os candidatos);
3) a terceira ideia, gostaria de a reproduzir em discurso directo: “trazer a cultura para dentro do PS”.
Uma palavra subversiva, quase proibida nos dias que correm: CULTURA.
Nós, os que nos habituámos a pensar um PS à imagem dos filmes franceses, das leituras dos jornais franceses, ou que tendo vivido alguns meses na cidade mais socialista da Europa! – Viena – identificamos no nosso inconsciente as referências ao PS, ao Socialismo democrático, à social-democracia com projectos culturais intensos, com o flamejante brilho da intelectualidade europeia, temos que lamentar que a cidade que ostenta uma velha e linda Torre com um relógio feito em Paris tenha um PS tão débil, um PS tão avesso à cultura.
E falo de cultura a sério, não a que o nosso futuro Presidente da República encontrou no google!
Falo de cinema, teatro, literatura, escultura, pintura, artes em geral, associado à discussão política, económica, social, científica e ambiental.
Falta cultura ao PS e o PS parece avesso à cultura!
Ora, destas três linhas força parece que pode resultar alguma luz sobre a posição do PS. De um qualquer “PS” num país civilizado, europeu e democrático:
1) Um Partido que se imponha pela superioridade ética dos/das seus/suas dirigentes.
2) Que se apresente a eleições tendo previamente escolhido – com pontes aos simpatizantes e eventualmente a outros Partidos nos Concelhos ou Distritos em que tal se justifique – aqueles(as) que reconhecidamente são os/as melhores candidatos(as).
3) E um PS verdadeiramente identificado com a esquerda, com as várias esquerdas:
- com a esquerda operária (do novo proletariado das sociedades pós-industriais),
- com a esquerda rural progressista (do cooperativismo, das associações empresariais vanguardistas)
- e com a esquerda urbana (com as elites culturais, académicas e empresariais).
Há lugar para todos – tem que haver lugar para todos! – num grande Partido inter-classista!
Agora é tempo de debater, reflectir, pensar!